Um áudio que circula em um aplicativo de mensagens revela o médico afastado pela Santa Casa de Santa Fé do Sul (SP) discutindo e falando alto com a esposa do paciente com câncer.
Tanto o profissional quanto a mulher registraram boletins de ocorrência alegando que um agrediu o outro. A Polícia Civil investiga o caso, ocorrido na noite da última quinta-feira (7).
A esposa do paciente diz que o marido precisou ser internado após realizar exames e descobrir que estava com fraturas nas costelas.
“Meu esposo sentia dor havia dias. Ele chegou a perder a movimentação dos braços. Conseguimos internação na Santa Casa. Fomos muito bem atendidos, principalmente pelas enfermeiras e enfermeiros. Meu esposo foi levado para o quarto e ficamos esperando o médico passar”, disse Cássia Regina Clemente.
Depois de horas aguardando, e preocupada com o estado de saúde do marido, a mulher decidiu conversar com uma funcionária do hospital para perguntar se o médico passaria no quarto.
“A enfermeira disse que ia ligar para o médico e ver o que poderia ser feito. Ela ligou, voltou e disse que o médico não poderia vir. Respondi que tudo bem, mas, pouco tempo depois, escutei o médico falando alto e perguntando quem era a mulher que estava perguntando. O telefone que a enfermeira ligou fica a uns 20 metros do quarto”, contou.
Cássia afirma que estava com o celular na mão, conversando com uma amiga sobre a situação do marido, quando ouviu o médico se aproximar e decidiu gravar o áudio.
Tanto o médico da Santa Casa quanto a mulher do paciente confirmam a veracidade da gravação. Confira abaixo a transcrição da discussão:
Médico: qual que é o problema da senhora? O que está acontecendo? O médico não veio dar satisfação para a senhora. É isso?
Mulher: não, eu falei que não vi o médico dele até agora.
Médico: mas, assim, o médico da senhora, é o seguinte, é oncologista. Não sou oncologista. Entendeu? Sou cirurgião. O seu marido tem câncer. Não vou tratar seu problema. Entendeu? Aqui a gente trata o que pode tratar. Então, qual o problema da senhora? O que está acontecendo, que você foi maltratada?
Mulher: não falei que fui maltratada em nenhum momento.
Médico: não, mas o que falaram é que a senhora foi maltratada, que o médico, até agora, não veio ver a senhora.
Mulher: não falei isso.
Médico: o que está acontecendo? Quero saber da senhora, porque sou cirurgião, cirurgião trata do problema. Agora, se a senhora acha que está com problema, a senhora queixa para a direção e vê o que pode acontecer. A senhora vai ser transferida para outro lugar. Aqui não.
Mulher: não falei. Falei que, inclusive, sou muito bem tratada por todas as meninas, e que o doutor não tinha vindo, e que o senhor não passou hoje, o senhor passou?
Médico: e aí, o que acontece? Mas o que vai mudar o doutor passar ou não passar? O problema do seu marido é câncer. O que vou fazer? Não vou tratar. Eu falo a realidade. Eu não nego para ninguém, não, minha senhora. Não nego para ninguém, minha senhora.
Mulher: não faz isso, não. Ele tá com hemorragia interna.
Médico: hemorragia interna? Não posso fazer nada. Aqui a gente não faz nada de hemorragia interna. Isso aí vai para tratamento clínico e conservador. A senhora tem que ter um pouco mais respeito para falar que o médico não passou, tá bom?
Mulher: vim com respeito. Não vim com respeito, [nome de uma funcionária]?
Médico: a [nome da mesma funcionária] disse que você estava questionando e reclamando. A senhora tem todo o direito de reclamar. Não sou médico do seu marido. Ainda aceitei, porque [nome de outro médico do hospital] desceu e botou no meu nome. Ainda aceitei muito bem o seu marido. A senhora está por fora. Não sou obrigado a aceitar seu marido. Por causa da hemorragia e do câncer, sou obrigado a aceitar. Eu aceitei. Agora a senhora vir falar que não passei? Para de conversinha fiada.
Mulher: mas o senhor não passou. O senhor não consultou.
Médico: minha senhora, não sou obrigado a vir aqui a hora que a senhora quer. Isso aqui é SUS. Venho a hora que posso, a hora que posso.
Mulher: ah, entendi.
Médico: então, a senhora entende o que você está falando. Venho a hora que posso. Se quiser, pague particular, e eu atendo no particular, é diferente. Aí venho a hora que você quiser. Caso contrário, não. Não vem com essa conversa.
Mulher: ah, então, se eu pagar, você vem? “Venho a hora que você quiser”.
Médico: No particular venho a hora que você quiser. Agora no SUS, não, é a hora que posso vir. Aqui funciona assim.
Mulher: está bom.
Médico: e vou dar alta para ele também.
Cássia conta que o médico voltou ao quarto, disse que a alta hospitalar estava prescrita e começou a bater um papel na barriga do paciente. Logo depois, houve uma confusão, e funcionários precisaram segurar o médico e fechar a portar do quarto.
“Sentimento é de humilhação. Meu marido doente e precisou passar por tudo isso. Quero deixar claro que fui muito bem tratada por todos os funcionários do hospital. O único problema foi o médico”, conta a esposa do paciente.
O médico afastado temporariamente pela Santa Casa de Santa Fé do Sul nega que tenha agredido a esposa do paciente. Pelo contrário, diz que ele foi agredido e afirma que tudo será esclarecido.
Em nota, a Santa Casa de Santa Fé do Sul alega que está adotando todas as medidas cabíveis para apurar os fatos, e que instaurou um procedimento interno para melhor compreender o ocorrido.
“O cuidado com os pacientes, familiares e usuários do hospital sempre será nossa principal diretriz, sendo a nossa missão zelar pelas pessoas, de forma profissional e humanizada, promovendo saúde e o bem-estar de nossa população”, diz o hospital em um trecho da nota enviada.