O nosso Natal acabou. Nada alivia essa dor pela falta de nossa bebezinha”. Essas são palavras da aposentada Aparecida Benta dos Santos, 68 anos, bisavó da pequena Ana Clara da Silva Lagoin, de dez meses, que morreu com um tiro no coração na noite de sábado, em Votuporanga, supostamente por vingança de um vizinho acostumado a manter som alto em um bar. O comerciante Braw Michel Verde, 25, foi preso em flagrante acusado de ser o autor dos quatro disparos feitos pela janela da casa, que fica nos fundos da residência de Aparecida.
O crime bárbaro se tornou destaque nacional e comoveu a população. “Isso é inaceitável. Um bebê é um anjinho e não tem culpa da confusão dos outros”, disse uma moradora da rua onde houve o crime. Além da bebê, atingida quando estava no colo da bisavó, um adolescente de 14 anos, que também estava na casa, foi baleado de raspão na mão esquerda. “Não imaginava que fossem tiros. Só senti uma queimadura muito forte na mão”, disse o primo de Ana Clara.
Gêmeas
Momentos antes do tiro certeiro, Ana Clara e a irmã gêmea idêntica, Ana Laura, eram o centro das atenções na sala, onde as ensaiavam os primeiros passos. Felizes com as filhas, os pais já organizavam a festinha de duplo aniversário para o dia 3 de fevereiro de 2012. “Estávamos comprando as coisas aos poucos”, disse a mãe, Fabíola Fernanda Crispim da Silva, 23. As roupas e as bexigas para a festa estavam compradas.
A brutalidade comoveu vizinhos e moradores do bairro Palmeiras 1, onde a família da vítima reside há um ano. Inconformados com a tragédia, o pai pede justiça. “Uma pessoa dessa (o acusado) deve apodrecer na cadeia”, desabafa Misael Lagoin, 46. No momento dos tiros, ele preparava a mamadeira para a filha na cozinha. “Tadinha da minha filha. Fazia tempo que tinha mamado. Deve ter morrido com fome”, lamenta, sem conseguir controlar o pranto.
A criança foi alvejada pela janela da sala, que estava aberta por volta das 20h de sábado. Ela estava no colo da bisavó. “Ouvi o tiro e pensei que fosse bombinha. Quando corri para o quarto, com ela nos braços, vi que sangrava muito. Depois de uns cinco minutos ela ficou molinha e parou de respirar”, disse Aparecida Benta. Ao menos quatro tiros foram disparados, segundo a polícia. As perfurações e chamuscamento de pólvora ficaram na cortina. Três tiros acertaram a parede do outro lado – uma das balas atravessou a alvenaria.
A aposentada acredita que era o alvo da bala que matou a bisneta. Para ela, o comerciante se irritou com a apreensão de uma caminhonete parada na frente do estabelecimento. O motivo da violência contra a família seria uma denúncia de perturbação do sossego feita à polícia por vizinhos – na manhã do sábado. “Ele (o comerciante) achou que fui eu e fez isso”, disse a aposentada. A mulher nega ter chamado a Polícia Militar. A moradora confirma, entretanto, ter denunciado o incômodo do som do carro de outro vizinho, mas anteriormente à data do atentado.
Após o crime, comerciante fugiu e foi preso em seguida pela PM quando tentava se esconder na casa de amigos, no bairro Pozzobon. Para o delegado responsável pela prisão em flagrante, Ali Hassan Wanssa, não há dúvida da autoria do crime. “Ele foi frio ao efetuar os disparos pela janela, matar uma criança e acertar outra. Isso qualificou o crime de homicídio”, disse. Segundo o delegado, o autor do crime agiu violentamente por motivação fútil e a ação inesperada dificultou a defesa das vítimas. A pena para o crime pode chegar a 30 anos de prisão.
Com a certeza de ter sido confundida pelo comerciante Braw Michel Verde, 25, como a denunciante do som alto, a aposentada Aparecida Benta dos Santos, 68, diz que o ataque foi covarde. “Quando ele atirou viu que eu estava com a criança no colo. Se entrou aqui estava à minha procura, então podia me esperar lá fora. Foi covardia e monstruosidade o que ele fez.” A mãe da criança, Fabíola Fernanda Crispim da Silva, 23, diz ter visto o comerciante sair do quintal após os disparos. “Olhei pela janela da cozinha e vi quando ele correu pelo quintal”, afirma. Assim como a janela por onde entraram os tiros, o portão da frente também estava aberto.
A morte prematura separa as irmãs gêmeas, cercadas de carinhos pelos familiares. Acostumada com a convivência de sua imã, Ana Laura estava inquieta pela falta de Ana Clara. Depois da morte da bebê, ela só voltou à casa dos pais ontem. “Estou preocupada com o comportamento dela daqui pra frente. Apesar da pouca idade, já eram companheiras. Brincavam, passam o tempo todo juntas”, disse a mãe das gêmeas. Ainda abalados com a fatalidade, os pais não decidiram se continuam a morar na casa. “Vamos decidir isso depois. Agora, temos que conseguir superar esse momento”, explica o pai da vítima, Misael Lagoin, 46 anos.