quarta, 13 de novembro de 2024
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Após ofensa, motoboy é contratado e ganha R$ 200 mil em vaquinha

Na segunda-feira (17), o motoboy Matheus Pires Barbosa, 19, começa a trabalhar na Avellar, agência de publicidade especializada em estratégias digitais que tem Ambev, Tinder, MRV e XP Investimentos no…

Na segunda-feira (17), o motoboy Matheus Pires Barbosa, 19, começa a trabalhar na Avellar, agência de publicidade especializada em estratégias digitais que tem Ambev, Tinder, MRV e XP Investimentos no portfólio de clientes.

A contratação como editor de vídeo na unidade da Vila Olímpia na capital paulista, com salário que varia de R$ 3 mil a R$ 12 mil, é apenas uma das muitas oportunidades que se abriram para o ex-entregador de aplicativo.

Desde 7 de agosto, Matheus ganhou notoriedade após ter viralizado um vídeo em que reage com dignidade a ofensas de um cliente em um condomínio em Valinhos (SP).

Desde o episódio em 31 de julho, o jovem que tinha 393 amigos no Instagram passou a ter 2 milhões de seguidores, angariou R$ 205 mil em uma vaquinha virtual e ganhou duas motos, em substituição à antiga que estava no conserto.

Exemplos de apoio e também do assédio depois do “tsunami”. Antes, ele ganhava um salário mínimo por mês como aprendiz em uma empresa, onde batia ponto das 15h às 22h, e complementava a renda com o bico de entregador na hora do almoço e à noite.

“Eu conseguia tirar uns R$ 2 mil por mês”, relata Matheus, que começou a trabalhar aos 13 anos.

Após concluir o ensino médio, com 15 para 16 anos tentou empreender, trabalhando com edição caseira de vídeos, contratado por pequenas empresas.

“Aprendi a editar na raça, comprei um computador e baixei um programa pirata. Consegui montar um negócio, mas só durou seis meses.”

Apesar do fracasso como microempreendedor, essa incursão no mercado acabou por lhe abrir portas após o episódio em que chamou a atenção sua postura calma diante de insultos racistas e preconceituosos.

Mateus Abreu Almeida Prado Couto chama o entregador de lixo, analfabeto e invejoso, apontando para a cor da própria pele, branca. O pai do agressor apresentou na delegacia, onde o caso foi registrado como injúria racial, um atestado de que o filho sofre de esquizofrenia.

“Não era meu objetivo fazer daquilo algo público. Vi o pessoal gravando a cena e só fui atrás para ter como prova na Justiça. Abri um processo por injúria e danos morais”, diz Matheus.

Ele tem evitado acompanhar toda a repercussão do caso nos jornais e na tevê. Procura olhar para frente. “Sinto vergonha de me ver naquela situação. Quero tirar essa ideia de que eu sou um coitado.”

É uma imagem de jovem trabalhador e empreendedor que o publicitário Rapha Avellar, 29, que fundou há dois anos a agência que leva o seu sobrenome, quer do seu novo contratado.

“Podem olhar a contratação como movimento de ajuda, assistencial, mas está longe disso”, afirma Avellar. “Contratei a garra dele, um cara que não tem medo de trabalhar duro e alguém com paixão por algo que a minha empresa faz. O resto a gente ensina pra ele.”

Avellar virou mentor de Matheus após a fama repentina e a avalanche de convites para o agora ex-motoboy.

Na terça (11), Matheus participou de um jantar no apartamento do publicitário, de quem já era fã nas redes sociais desde que começara a trabalhar com edição de vídeos.

“Trocamos mensagens desde 2018 e em uma delas Matheus chegou a me pedir emprego”, relata Avellar, que foi vasculhar as conversas nas quais dava conselhos para o jovem seguidor. “Tenho a prática de responder a todo mundo nas redes sociais.”

“Eu achava o máximo receber uma resposta dele, que era tão grande, de uma agência diferente, com aqueles vídeos profissionais”, recorda-se Matheus.

Os dois retomaram o contato sob o impacto do vídeo, “de embrulhar o estômago”, como define Avellar. “O que chama muita a atenção ali é a maneira brilhante como ele lidou com a situação”, diz o publicitário.

O passo seguinte foi aproximar o pupilo de mentores que pudessem ajudá-lo na carreira e também a investir os R$ 205 mil arrecadados na internet.

E assim Matheus sentou-se à mesa para degustar comida japonesa pela primeira vez, ao lado de Ricardo Dias, vice-presidente de Marketing da Ambev, e de Thiago Nigro, conhecido como “O Primo Rico”.

“Vi ali que pessoas de sucesso não são diferentes da gente. Pensei que não ia me sentir à vontade, mas tive espaço para comentar. Aprendi muito com todos eles.”

O convidado especial saiu do apartamento de Avellar no Itaim Bibi por volta de 1h da manhã para um quarto de hotel, onde ficou hospedado dois dias, com a certeza de que podia sonhar mais alto.

Além da vaga de um emprego dos sonhos, ele ganhou um bolsa integral na Cria School, uma plataforma de educação em Marketing e Publicidade 100% online também criada por Avellar.

No início de setembro, o ex-motoboy começa a ter aulas com os melhores profissionais de comunicação do mercado.

Nesta quinta, ele voltou para casa em Valinhos pronto para trabalhar em home office: com um computador, softwares legais de edição, conexão com internet e um novo celular, presente de uma operadora.

Passa a ter também benefícios extensivos a todos os 110 funcionários da agência, entre eles vale-refeição que vai lhe permitir comprar comida em restaurantes japoneses, nos quais antes só lhe cabia fazer entregas.

“Ficava esperando uns 40 minutos os pedidos ficarem prontos”, diz ele, novo adepto de sushis e sashimis.

Ansioso pela nova rotina, Matheus quer fugir da superexposição. “Tem muito convite para live e entrevista, mas eu quero mesmo é começar a trabalhar.”

Ainda não decidiu o que fazer com o dinheiro, mas está conversando com O Primo Rico. “Saí de uma realidade de quem ganhava salário mínimo. R$ 200 mil é um dinheiro que nem sabia quanto era. Achavam eu fosse comprar casa, carrão, mas decidi que vou investir 100%.”

Foi convencido a poupar pelo exemplo de Avellar. “Ganhei uma bolada aos 25 anos e passam essas coisas pela cabeça, mas contei pra ele que decidi não gastar por um ano para ver que sonhos de consumo persistiam.”

Vítima de racismo e preconceito de classe, Matheus continua dando lições ao xará branco que o chamou de “lixo”.

“Ninguém imagina passar por isso. Foi muito triste. Mas aconteceu com a pessoa certo. Eu soube lidar com aquele situação porque fui criado numa família com muita educação.”

Matheus conta que a própria mãe lhe disse que não teria reagido com a mesma temperança.

“No correr da vida, eu me tornei Testemunha de Jeová e aprendi a lidar com estresse e preconceito agindo com calma”, afirma. “Se fosse com outro motoboy, a vítima poderia ter passado a agressor também.”

Um efeito positivo do episódio, segundo ele, foi ter melhorado o tratamento reservado aos entregadores. “Meus colegas falam que passaram a tratá-los melhor e dobrou o número de gorjetas na plataforma”, relata.

“Que bom que as pessoas começaram a refletir e dar valor ao trabalho dos motoboys. Pessoas que trabalham arriscando a vida para que outras não precisem arriscar a delas saindo de casa para comprar comida.”​

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