O mega-assalto ocorrido em Araçatuba, no último dia 30, tinha como alvo principal uma central dentro de uma unidade do Banco do Brasil com ao menos R$ 90 milhões em cédulas armazenadas —uma espécie de reserva para agências bancárias. A ação, que deixou três mortos e quatro feridos, foi apontada como um fracasso por três fontes ligadas à investigação ouvidas com exclusividade pelo portal UOL.
Quando os criminosos que usam a tática conhecida como “novo cangaço” explodiram uma sala-cofre com cerca de 15m², foi acionado um mecanismo de destruição de cédulas com lâminas e tinta, impedindo a arrecadação total do dinheiro.
Com a inutilização das notas, são emitidas novas cédulas pelo Banco Central, sem prejuízo financeiro. Foi a primeira vez que esse sistema, instalado neste ano, foi acionado após um ataque.
O grupo ainda invadiu outras duas agências bancárias. A estimativa é de que a quadrilha tenha arrecadado R$ 2 milhões em dinheiro vivo e cerca de R$ 5 milhões em joias na investida, segundo fontes ligadas à investigação ouvidas sob a condição de anonimato.
O valor arrecadado é bem inferior às estimativas do grupo, já que o investimento para esse tipo de empreitada com uso de armas de grosso calibre, explosivos e carros potentes é elevado. Um homem chegou a ser apontado como suspeito de financiar a ação com aporte de R$ 600 mil.
O caso está sendo apurado pela Polícia Federal, que cumpriu 20 mandados de busca e apreensão e um mandado de prisão temporária na terça-feira (14) expedidos pela 1ª Vara Federal de Araçatuba (SP). Segundo a PF, oito pessoas já foram presas por suspeita de envolvimento no crime.
A quantia milionária que virou alvo da quadrilha fica armazenada em sedes do Seret (Setor de Retaguarda e Tesouraria) do Banco do Brasil em depósitos compulsórios —como é chamada a alíquota de 17% de reserva obrigatória das agências bancárias que não pode ser movimentada para garantir a segurança nas operações com cédulas.
O uso das sedes se intensificou como uma alternativa mais segura pelas instituições financeiras para guardar cédulas após o assalto ao Banco Central de Fortaleza (CE) em agosto de 2005, quando criminosos subtraíram cerca de R$ 164 milhões do local.
Preocupação
A preocupação das autoridades agora é que essas quadrilhas passem a procurar outros alvos do tipo. Só no Estado de São Paulo, há cerca de 20 locais usados para essas reservas das instituições financeiras.
Armazenar valores em grande quantidade não é a atividade principal dessas agências. E isso precisa ser repensado com urgência em cidades pequenas. Essas unidades não foram projetadas para isso”, diz Delegado Pedro Ivo Correa dos Santos, 5ª Delegacia de Investigações sobre Furtos e Roubos a Bancos.
“Quando essas agências foram construídas há 40 anos, não se imaginava que armazenariam tanto dinheiro. A estrutura delas não acompanhou essa mudança do sistema financeiro. Mas a polícia hoje tem treinamento e capacidade para reagir em um tempo menor”, complementa.
No dia 30 de julho, quase três meses depois do roubo em Ourinhos, uma quadrilha fez um ataque do mesmo tipo ao Seret de Botucatu (SP). Contudo, pessoas ligadas à investigação afirmam que os criminosos não conseguiram arrecadar o valor devido à intervenção da PM-SP (Polícia Militar de São Paulo).
Em Araçatuba, o ataque foi frustrado por causa do sistema de destruição de cédulas acionado após a ação da quadrilha.
O delegado Pedro Ivo Correa dos Santos, da unidade do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais) responsável por investigações de roubos e furtos a bancos pela Polícia Civil, diz que todas as unidades que estocam essas quantias milionárias no Estado de São Paulo hoje possuem esse sistema, dificultando a ação dos criminosos.
“Esses ataques deixam de ser um atrativo para os grupos criminosos. Quando a ação não dá certo, isso causa abalo dentro da quadrilha, porque há um grande investimento na ação”, diz.
Monitoramento
Em nota, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) disse que as grandes agências possuem centrais de monitoramento em tempo real, com acionamento às autoridades em caso de tentativa de roubo. “Os serviços de segurança são fornecidos por empresas especializadas com autorização de funcionamento expedida pelo Departamento de Polícia Federal”, informou em um dos trechos do texto.
Esses locais, que passaram a armazenar dinheiro como uma espécie de reserva de cédulas distribuídas para outras instituições financeiras, só entraram na mira de grupos ligados ao PCC (Primeiro Comando da Capital) há pouco mais de um ano. O roubo de Araçatuba foi apenas o terceiro a esses locais em São Paulo.
Na madrugada de 2 de maio de 2020, um grupo de criminosos com explosivos atacou uma sede do Seret em Ourinhos (SP). Houve confronto com policiais, mas ninguém se feriu. Uma base da PM foi atingida em meios aos disparos.
Menos explosões, menos roubos e maiores valores
Quadrilhas que antes explodiam caixas eletrônicos ou assaltavam carros fortes foram desarticuladas. Houve redução no índice de crimes relacionados ao roubo a instituições financeiras entre 2017 e 2020, justamente no período em que se intensificou a ação do “novo cangaço” em São Paulo.
Em 2020, a SSP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) registrou 29 roubos a banco —queda de 70% em comparação a 2017. As ocorrências com explosivos em bancos despencaram em 79% no mesmo período, com 21 casos no ano passado. O Estado de São Paulo não tem casos de ataques a carro-forte desde 2019. Em contrapartida, houve aumento de ações com mais tempo de planejamento, alvos com maior quantia de dinheiro, mais investimento das quadrilhas e poderio bélico reforçado pela grande quantidade de armas de grosso calibre.
Mesmo com a prisão das principais lideranças dessas quadrilhas nos últimos meses em investigações da Polícia Civil, esses grupos ainda conseguem se articular.
“Hoje, são grandes quadrilhas que precisam de estrutura e logística em roubos que demoram meses para ser planejados, sem caráter imediatista. Estamos falando do topo da cadeia alimentar do crime. São criminosos violentos que dominam uma cidade inteira”, analisa o delegado Pedro Ivo.
Com mortes, reféns e uso de explosivos, o assalto a agências bancárias em Araçatuba é apontado como o mais violento do tipo nos últimos dois anos pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O número de detonadores foi o maior da história do país, segundo levantamento inédito feito pela Associação Mato-Grossense para o Fomento e Desenvolvimento da Segurança a pedido da reportagem.
Informantes
Coordenadora científica do Laboratório de Estudos da Violência da UFC (Universidade Federal do Ceará) e especialista na ação de grupos que usam a tática conhecida como “novo cangaço”, Jania Perla de Aquino diz que essas ações só são possíveis por causa do investimento em informantes.
“Essas quadrilhas fazem um investimento para recrutar pessoas que concedam informações privilegiadas e altamente secretas sobre as instituições financeiras. Só então, podem fazer investidas em cidades menores e com segurança mais precarizada”, avalia. Ela ainda cita a discrição como característica fundamental para os envolvidos nesse tipo de crime.
Contudo, vê uma ruptura nos moldes de atuação dos grupos em ações onde há uma escalada de violência, com mortes e tiroteios. “Essas ocorrências mostram um método que parece que vai permanecer nas próximas ações”, alerta.