Em seu segundo mandato na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), a maior do País, o deputado Fernando Cury (Cidadania) passou a estampar manchetes depois que foi denunciado por assédio sexual pela colega Isa Penna (PSOL) em meados de dezembro.
No último domingo, 10, o parlamentar sofreu um revés dentro do próprio partido: o Conselho de Ética do Cidadania emitiu um relatório, aprovado por unanimidade, recomendando sua expulsão. A decisão final sobre o destino de Cury cabe agora ao diretório nacional. O presidente da sigla, Roberto Freire, já sinalizou que pretende desfiliar o deputado.
Cury ainda pode enfrentar uma ação penal na esteira do episódio e até perder o mandato. Na semana passada, Isa Penna formalizou um pedido para que a Assembleia de São Paulo convoque uma sessão extraordinária ainda neste mês para julgar o caso.
O Estadão conversou com o advogado Roberto Delmanto Junior, responsável pela defesa do deputado, que até aqui tem sido econômico nas manifestações à imprensa. O criminalista, que acumula mais de três décadas de experiência na advocacia, dá como certa a expulsão do Cidadania. Na avaliação de Delmanto Junior, o partido tenta defenestrar Fernando Cury o quanto antes.
“Que processo é esse que tem prazo de 15 dias úteis? Nunca vi isso na minha vida. É um processo só para cumprir tabela”, sustenta. “Isso tudo é um simulacro, um teatro, um mise-en-scène É uma encenação de um processo, um processo fake”, conclui.
O advogado afirma que chegou a apresentar um pedido à relatora do procedimento no Conselho de Ética do Cidadania, Mariete de Paiva Souza, para que, além do deputado, o colegiado ouvisse, na audiência que antecedeu a elaboração do relatório, oito testemunhas mulheres e uma sustentação oral do próprio Delmanto Junior. Como o requerimento foi negado, orientado pela defesa, Fernando Cury desistiu de apresentar sua versão aos correligionários.
“A defesa é composta por um tripé: as testemunhas, a oitiva do deputado e o direito de eu falar depois dele. Me tiraram dois pés do tripé”, critica Delmanto Junior. “Eu não estou aqui para legitimar um processo, da maneira como ele foi feito, absolutamente ilegal e arbitrário. Ou eu faço minha defesa por inteiro, ou eu não vou legitimar um processo que está sendo tocado de forma ilegal”, completa.
O defensor ainda critica que a condução do julgamento esteja nas mãos da Comissão de Ética Nacional e não Regional – o que, segundo ele, fere as normas do próprio partido e impede um eventual recurso.
“O Código de Ética é expresso ao dizer que, no caso de um deputado estadual, a competência para julgar é do órgão colegiado da Comissão de Ética Regional. O certo seria julgar em São Paulo”, defende. “Nesse caso, certamente o deputado teria direito à ampla defesa e poderia, em caso de parecer desfavorável, apresentar um recurso junto ao Diretório Nacional. Mas violaram o Código de Ética para fazer um julgamento à jato. Nada justifica esse atropelo”, critica.
Questionado sobre a possibilidade de judicialização do processo administrativo, o advogado disse que a hipótese não está descartada.
A prioridade agora, no entanto, é a estratégia de defesa diante da Assembleia Legislativa paulista. Na avaliação do defensor, até o momento, não parece haver risco de que o julgamento na Alesp tome o mesmo rumo do que no Cidadania.
Até aqui, oito testemunhas mulheres foram selecionadas para falar sobre o deputado – são colegas de faculdade, trabalho, assessoras e ex-funcionárias. A ideia é traçar um perfil que afaste a pecha de assediador.
Perguntado se pretende chamar os deputados que conversavam com Fernando Cury logo antes do episódio, o advogado afirmou que esses detalhes serão todos esclarecidos. “Nós temos os nossos pré-julgamentos, quando a gente vê uma imagem, a gente tem um viés e começa a imaginar. Isso tudo será esclarecido”, disse.
Além disso, o advogado contou que prepara uma perícia ampla no vídeo que registrou o episódio. Embora as câmeras da Assembleia Legislativa tenham capturado o momento em que Fernando Cury se posiciona atrás de Isa Penna e coloca a mão na lateral do corpo da deputada, a defesa nega veementemente o toque nos seios.
“De forma alguma houve toque no seio da eminente deputada. Não houve apalpação de seio. Dá para ver perfeitamente no vídeo. O que houve foi um toque abaixo da axila e acima da cintura. Não houve toque libidinoso. Estamos fazendo uma perícia no vídeo, mostrando exatamente onde a mão de sobrepôs”, diz o advogado.
Na avaliação do advogado, o mais importante é garantir um julgamento livre de paixões políticas. “Se houve uma inadequação, isso tudo vai ser discutido na defesa perante a Assembleia. Pretendo demonstrar para os deputados os fatos com serenidade e eles poderão julgar com base em uma visão completa do ocorrido. O momento em si foi muito fugaz, foi rápido”, afirma. “Tem algumas coisas que a gente precisa ver sem paixões políticas, sem bandeiras políticas, tem que se analisar o fato. É isso o que eu espero. O deputado não vai deixar de se defender do mérito, claro que com todo o respeito à deputada Isa Penna”, acrescenta.
COM A PALAVRA, O CIDADANIA
A reportagem entrou em contato com o partido, por telefone e e-mail, e ainda aguarda resposta. O espaço permanece aberto a manifestações.