“Não dissemos que o larvicida [Pyriproxifen] está associado à microcefalia”. A afirmação é do coordenador do Grupo de Saúde e Ambiente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Marcelo Firpo. No último sábado (13), nota técnica da entidade foi usada pelo governo do Rio Grande do Sul para justificar a suspensão do uso do Pyriproxifen, sob a alegação de que o produto pode estar relacionado à ocorrência de microcefalia em bebês.
Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, Firpo argumentou que tudo não passou de um mal-entendido, mas reafirmou que a entidade é contra o uso de agentes químicos na água potável.
“Na nossa nota técnica não colocamos essa relação em questão, ou seja, não dissemos que o larvicida está associado à microcefalia”, disse Firpo.
Na nota técnica, divulgada no dia 2 de fevereiro, a Abrasco fala da necessidade de investimentos em saneamento básico e se posiciona contra o uso de substâncias químicas como principal estratégia de combate ao mosquito Aedes aegypti.
Nas redes sociais, se espalhou a notícia de que a microcefalia seria causada pelo Pyriproxifen, e a nota da Abrasco era citada como fonte.
A associação foi criada há mais de 30 anos e já participou ou participa de vários espaços de representação social, como o Conselho Nacional de Saúde (CNS), Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM).
Firpo também é pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Apesar de negar a relação com a microcefalia, ele avisa que os danos à saúde provocados por produtos semelhantes não estão descartados. E diz que a principal causa da proliferação do Aedes aegypti é a falta de saneamento básico no Brasil.
Confira a íntegra da entrevista:
Agência Brasil: A microcefalia estaria ligada ao larvicida Pyriproxifen?
Marcelo Firpo: A Abrasco já lançou uma nota de esclarecimento. Está havendo um mal entendido. Na nossa nota técnica não colocamos essa relação em questão, ou seja, não dissemos que o larvicida está associado à microcefalia.
Agência Brasil: E qual seria a relação?
Firpo: A nota técnica está disponível na página da Abrasco. A nossa posição fundamental é uma crítica ao modelo de combate ao mosquito centrado, focado no uso intensivo de venenos, larvicidas e inseticidas no mosquito adulto. Esse foco é equivocado. As populações mais atingidas são justamente as mais pobres, com problemas estruturais de saneamento básico, de acesso à água potável. Consideramos um contrassenso sanitário, um absurdo a colocação de veneno larvicida na água potável, e consideramos também um absurdo o uso de uma substância considerada cancerígena pelo Iarc [Agência Internacional de Pesquisa para o Câncer, na sigla em inglês], da OMS [Organização Mundial da Saúde] – o Malathion – nos fumacês pelo país. Existem outras medidas que deveriam ser priorizadas.
Agência Brasil: E quais seriam as soluções para acabar ou minimizar essas doenças causadas pelo Aedes aegypti?
Firpo: O Aedes aegypti nunca vai ser totalmente eliminado, na nossa opinião. Existe uma série de equilíbrios ecológicos na formação das cidades. No máximo, vamos reduzir o nível de concentração elevada, e isso já é um objetivo bastante razoável para a campanha. E essa redução da infestação em médio e longo prazo precisa ter como foco medidas de saneamento básico. Por exemplo: nesse momento foi criado já há algum tempo o Plano Nacional de Saneamento Básico, e a previsão do governo federal é uma redução de 50% das medidas de saneamento do plano do Ministério das Cidades e de 70% de redução dos investimentos em saneamento rural da Funasa [Fundação Nacional de Saúde], do Ministério da Saúde.
Temos situação que ao mesmo tempo se fala da gravidade do vírus Zika, da dengue, da chikungunya e, simultaneamente, temos uma redução substancial da velocidade de implementação do plano de saneamento básico. Esse é o primeiro ponto: reduzir a pobreza, as desigualdades sociais e espaciais e investir no saneamento básico. Essa é a questão fundamental.
E, no curto prazo, é preciso eliminar e substituir essas medidas pontuais. O que deveríamos fazer é uma campanha de envolvimento da população e criar as condições para que as populações, principalmente com condições mais precárias, tenham outros métodos para resolver armazenamento de água. Essa população tem frequentemente acesso à água potável cortado por causa de precariedade do fornecimento, deixam de receber água em casa. Muitas vezes armazenam água em condições muito precárias. É preciso criar condições de proteção a essas formas de armazenamento e ao mesmo tempo investir na qualidade do fornecimento de água. Existem medidas como colocação de redes, fornecimento de tampas para domicílios que fazem esse armazenamento provisório.