sexta-feira, 20 de setembro de 2024
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A Palavra Manifesta

Na semana passada, tive a oportunidade de participar de algumas atividades da programação da quarta edição do FLIV (Festival Literário de Votuporanga), cuja proposta era a de refletir sobre a…

Na semana passada, tive a oportunidade de participar de algumas atividades da programação da quarta edição do FLIV (Festival Literário de Votuporanga), cuja proposta era a de refletir sobre a palavra que se manifesta nas ruas, nas redes sociais e na literatura.

O escritor e poeta Paulo Lins foi escolhido como patrono do festival. Autor do romance “Cidade de Deus”, lançado há quase vinte anos e considerado um marco dentro da literatura brasileira, que virou filme de sucesso, dirigido por Fernando Meirelles. Paulo também se enveredou pelo mundo do cinema e da televisão, criando roteiros como o da série “Cidade dos Homens”.

Participei, especialmente, do “Bate-papo com Escritores”, espaço no qual autores de renome contavam suas experiências pessoais e profissionais e conversavam com o público presente. Na programação musical do festival pude assistir à nossa OSFER (Orquestra de Sopro de Fernandópolis), numa apresentação de arrepiar e emocionar, que mostrou toda versatilidade e evolução dos jovens músicos que compõem a orquestra, dirigida pelo competente maestro Fernando Paina. Vi também o show do músico Chico César, com direito a tietagem e autógrafo no encarte do meu velho CD.

Apesar de toda diversidade de atividades do FLIV, o que pude dispensar maior atenção, e já era o objetivo principal, foram os encontros com os escritores convidados. Os “bate-papos” tiveram como mediador o curador literário do festival Heitor Ferraz Mello, jornalista, professor e escritor, colaborador da Folha de S. Paulo, da Bravo! e do programa Entrelinhas, da TV Cultura. Entre todas as boas surpresas que tive participando do festival uma delas foi a de conversar com o Heitor. Pessoa de alma tranquila, sempre alegre e compenetrado e extremamente humilde. Só para se ter uma ideia, ele estava na fila para pegar o autógrafo no livro do Chacal. Insisti para que tomasse a frente, mas recusou veementemente. Foi quando começamos um breve diálogo, nos reportando ao “bate-papo” com o Chacal e a jovem poeta Alice Sant’Anna. Comentei sobre a profundidade da poesia, aquela de onde vêm as palavras e para onde são sugadas as ideias. Depois ele me presenteou com seu livro de poesias “Um a menos”, semifinalista do Prêmio São Paulo de Literatura 2010, publicado pela editora 7 Letras. Claro, quis um autógrafo, que ele gentilmente concedeu, condicionando que eu pegasse o do Chacal primeiro, deixando registrado em seu manuscrito nossa “boa conversa”.

Falei do Heitor Ferraz como exemplo do perfil dos escritores os quais pude ouvir durante a realização do FLIV. Todos, sem exceção, com menos os mais idade, com carreiras de sucesso ou iniciantes, mostraram-se pessoas simples e humildes. Foi a primeira coisa que notei. Nenhum deles “se achando” ou fazendo ares de intelectual, davam atenção a todas as perguntas e depoimentos da plateia. E estamos falando de pessoas conhecidas e respeitas na literatura. Não que deveriam se arrogantes, mas no círculo dos intelectuais de plantão já vi de tudo.

Ouvindo atentamente às perguntas do público, percebi que todas elas podiam ser resumidas em uma única: como ser escritor? Todos queriam saber a receita para se tornar um escritor, mas, obviamente, ela não existe. Entretanto notei, ao fim de todos os encontros, as características, se é que posso chamar assim, dos escritores que por lá passaram. Pelo menos o que havia em comum entre eles. Se não há receita, pelo menos há um vírus que faz a pessoa gostar de ler e escrever, como disse Cristovão Tezza, fazendo brincadeiras, com fundos de verdade, durante suas palavras. Que bom! Porque os vírus podem ser transmitidos e infectar outras pessoas. E a gente, realmente, fica com vontade escrever ouvindo esse pessoal.

Se existisse receita, ela seria a de termos as mesmas atitudes que esses escritores tiveram, e têm até hoje. Todos leram muito na infância, ouviram muitas histórias, foram incentivados à leitura por pessoas próximas, estimulados a seguirem o caminho que gostavam por seus professores, são observadores dos acontecimentos, do ambiente ao seu redor e da alma humana, além de exímios contadores de histórias. Os “bate-papos” foram oportunidades riquíssimas de ouvirmos as histórias de Inácio de Loyola Brandão e Antonio Ferreira, que segundo este, eram histórias reais, porém contadas com imaginação, outra característica forte em todos eles. Outro ingrediente fundamental é paixão pela palavra, que apesar de parecer uma coisa lógica, não é. Paixão daquelas de ficar discutindo por horas sobre uma simples palavra e seu impacto em uma frase. Paixão pela palavra estampada no papel, mesmo que não vá mostrar para ninguém mais. O escritor Antonio Ferreira, alma surpreendente, além de escritor, médico em Recife, em nosso breve encontro, me disse que guardou durante trinta anos seus escritos antes de publicar.

Alguns ingredientes da receita, se ela existisse, estão anotados acima. Vale lembrar que mesmo seguindo receitas tem gente que nunca conseguiu fazer bolo. Outras, já fizeram bolos e depois escreveram as receitas. De qualquer forma, todos nós aprendemos a escrever porque aprendemos a ler. E a melhor maneira de aprender a fazer, é fazendo.

Sérgio Piva
s.piva@hotmail.com

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