sexta-feira, 20 de setembro de 2024
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Leia a íntegra da Nota Oficial da PF sobre a Operação Grandes Lagos

OPERAÇÃO GRANDES LAGOS NOTA À IMPRENSA A Polícia Federal deflagrou na data de hoje a Operação Grandes Lagos, cujo objeto é desbaratar uma grande organização criminosa que atua no interior…

OPERAÇÃO GRANDES LAGOS

NOTA À IMPRENSA

A Polícia Federal deflagrou na data de hoje a Operação Grandes Lagos, cujo objeto é desbaratar uma grande organização criminosa que atua no interior de São Paulo.
1. HISTÓRICO
Há alguns anos, a Receita Federal, o INSS, o Ministério Público e a própria Polícia Federal vêm recebendo denúncias de um mega-esquema de sonegação fiscal envolvendo frigoríficos estabelecidos na região dos Grandes Lagos, no interior do Estado de São Paulo, sobretudo nos municípios de Jales, Fernandópolis e São José do Rio Preto. Segundo as denúncias, o grupo atuaria na região há pelo menos quinze anos.
A partir destas denúncias, a Receita e o INSS iniciaram vários procedimentos fiscais contra empresas e pessoas físicas ligadas ao esquema. Finalizadas as fiscalizações, foram lançados os tributos, que atingem centenas de milhões de reais. No entanto, invariavelmente, quando a Fazenda Pública buscava cobrar os tributos devidos, verificava quem nem as empresas, nem seus sócios, possuíam qualquer patrimônio em seu nome para honrá-las. No curso dos trabalhos de fiscalização, tanto a Receita Federal quanto o INSS se depararam com indícios de que as pessoas que constavam do quadro societário destas empresas eram apenas “laranjas”, que se reportavam a um nível hierárquico superior na estrutura de algum grupo empresarial. Os auditores suspeitaram que as empresas fiscalizadas haviam sido constituídas com a única finalidade de sonegar tributos.
Diante da dificuldade de se comprovar o vínculo entre os verdadeiros donos do negócio e as empresas abertas em nome de “laranjas” para a prática de crimes contra a ordem tributária, e dadas as evidências da existência de uma verdadeira organização criminosa por trás destas empresas, foi solicitada a ação da Polícia Federal em Jales/SP para que as investigações fossem aprofundadas, de modo a se identificar com precisão todo o esquema, para que os nomes dos infratores pudesse ser levado à julgamento pela Justiça.
Na investigação, a Polícia Federal contou com a colaboração da Receita Federal e do Instituto Nacional de Seguro Social, ambos de São José de Rio Preto/SP.
2. A ESTRUTURA E A DINÂMICA DA QUADRILHA
Solicitado o apoio, a Delegacia da Polícia Federal em Jales, em parceria com o Setor de Inteligência Policial da PF em São Paulo, iniciou os trabalhos de investigação criminal em março deste ano. Após intenso trabalho de investigação, delineou-se com precisão a estrutura e a dinâmica da organização criminosa.
Há cinco núcleos (ou células) bem definidos na estrutura da organização.
O Núcleo Mozaquatro é voltado principalmente à prática de crimes fiscais e contra a organização do trabalho. Seu modus operandi consiste em constituir empresas em nome de “laranjas” através das quais movimenta a maior parte do faturamento do grupo sem pagar os tributos incidentes sobre as operações. Outras empresas, também abertas em nome de “laranjas”, tem como objetivo servir de anteparo entre o grupo e as ações trabalhistas movidas por seus empregados, através de contratos simulados de fornecimento de mão de obra. Há evidências da prática de crime de estelionato contra a Fazenda Pública, num esquema de liberação de créditos de ICMS que não são devidos à empresa. O líder do Grupo Mozaquatro é Alfeu Crozato Mozaquatro. O Grupo possui empresas lícitas, que admite serem suas, e empresas abertas em nome de “laranjas”, utilizadas para movimentar o faturamento do grupo sem recolher impostos. Dentre as empresas do Grupo Mozaquatro destacam-se a CM4 Participações Ltda., as Indústrias Reunidas CMA Ltda., a CMA Indústria de Subprodutos Bovinos Ltda. (abertas em nome dos próprios sócios), a Coferfrigo ATC Ltda., a Friverde Indústria de Alimentos Ltda., a Transverde Produtos Alimentícios Ltda., o Frigorífico Boi Rio Ltda., a Comércio de Carnes Boi Rio Ltda. e a Pereira & Pereira Comércio de Carnes e Derivados Ltda., o Frigorífico Mega Boi Ltda., a Nogueira & Poggi Ltda., a Pedretti & Magri Ltda., o Frigorífico Caromar Ltda., a Atual Carnes Ltda. e outras (abertas em nome de “laranjas”).
O Núcleo Itarumã também é voltado sobretudo à prática de crimes fiscais, constituindo empresas em nome de “laranjas” para movimentar a maior parte de seu faturamento, ou sem recolher nenhum centavo dos tributos que incidem sobre a atividade, ou subfaturando sua receita, ocultando parte dela do fisco. Para atingir seus objetivos, o Grupo Itarumã conta com fiscais da Secretaria da Fazenda e do Ministério do Trabalho que lhe vendem facilidades em troca de pagamentos indevidos. Há também evidências de estelionato contra a Fazenda Pública, com fraudes envolvendo a liberação de créditos indevidos do ICMS. Assim como o Grupo Mozaquatro, o Itarumã também possui algumas empresas lícitas, através das quais justifica o patrimônio de seus sócios. Os líderes do Núcleo Itarumã são João Carlos Altomari, Ari Félix Altomari, Emílio Carlos Altomari e João do Carmo Lisboa Filho. Dentre as empresas que compõem o Grupo Itarumã, destacam-se a Unidos Agro Industrial S.A., a Itarumã S.A. (abertas em nome dos próprios sócios), a Agro Carnes Alimentos ATC Ltda. e a Indústria e Comércio de Carnes Grandes Lagos Ltda. (abertas em nome de “laranjas”).
O Núcleo dos “Noteiros” atua em várias frentes: na geração de créditos fictícios de ICMS que vendem a terceiros; na emissão e venda de notas fiscais “frias” a frigoríficos e a “taxistas” para que estes movimentem as receitas de sua atividade sem recolher os tributos devidos; na sonegação de tributos incidentes sobre seus frigoríficos, subfaturando sua produção ou simplesmente deixando de recolhê-los por a empresa estar registrada em nome de “laranjas”, etc. Há fiscais da Secretaria da Fazenda e da Receita Federal envolvidos no esquema, que recebem propina para prestar “favores” ao grupo. O líder do grupo dos “Noteiros” é Valder Antônio Alves, vulgo “Macaúba”. Dentre as empresas de Valder Antônio Alves que vendem notas fiscais “frias” para sonegadores destacam-se a Distribuidora de Carnes e Derivados São Paulo Ltda., a Norte Riopretense Distribuidora Ltda. e a Distribuidora de Carnes e Derivados São Luiz Ltda.
O Núcleo dos “Taxistas” é composto por pessoas físicas que atuam na área de compra e abate de gado e venda de carne e couro, como se frigoríficos fossem. Parte dos “taxistas” são ligados ao Núcleo dos “Noteiros” e parte ao Núcleo Mozaquatro. No entanto, gozam de ampla autonomia, não havendo nenhuma relação de subordinação entre eles e os núcleos com os quais se vinculam, mas sim uma espécie de “simbiose”. As empresas dos demais núcleos que são abertas em nome de “laranjas” lhes fornecem as notas fiscais “frias” que necessitam para movimentar sua produção sem recolher os tributos. Em troca, os “taxistas” pagam um valor fixo pela nota fiscal, calculado com base no número de reses abatidas, e mais um percentual pelo uso das instalações do frigorífico onde o gado é abatido (caso dos “Noteiros”) ou, então, em troca da nota fiscal “fria” e do uso das instalações do frigorífico, os “taxistas” dão ao frigorífico o subproduto do abate do gado – couro e barrigada branca e vermelha (caso do Núcleo Mozaquatro). Apesar de serem pessoas físicas, possuem alto giro de negócios. Um dos “taxistas” identificados no curso dos trabalhos movimentou em suas contas bancárias R$ 50 milhões em apenas um ano, sem recolher um centavo em tributos aos cofres públicos. Não há um líder dos “taxistas”, pois o grupo é difuso e não segue a uma linha de comando.
O Núcleo dos “Clientes dos Noteiros” é composto pelas empresas que adquirem notas fiscais “frias” das empresas que compõem o Núcleo dos Noteiros. São empresas que não se sofisticaram a ponto de possuírem sua própria estrutura de sonegação, com suas próprias empresas abertas em nome de “laranjas”, como as possuem os Núcleos Itarumã e Mozaquatro. Como não têm uma engrenagem própria de sonegação, compram os “serviços” dos noteiros, adquirindo suas notas fiscais “frias” para movimentar parte do seu faturamento sem recolher os tributos pertinentes, e também para creditarem-se indevidamente do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços. Tais empresas adquirem o gado, abatem-no e vendem a carne, tudo por sua conta e risco. As notas fiscais que embasam as operações, no entanto, são emitidas pelas empresas dos “noteiros”, de modo que, aos olhos do fisco, são estas empresas as responsáveis pelas operações. Assim como os “taxistas”, também não há um “líder” dos clientes dos “noteiros”, pois o grupo é difuso e seus integrantes não se relacionam entre si, estando apenas ligados a Valder Antônio Alves, o Macaúba, porém sem relação de subordinação ou hierarquia. Dentre os clientes dos noteiros, destacam-se as empresas Campboi-Barão Geraldo Indústria de Carnes, Frigorífico Ouroeste, Continental Ouroeste, Rio Preto Abatedouro de Bovinos, FRIG Frigorífico Industrial Guararapes Ltda., Vitória Agro Industrial Ltda.-Frigorífico Noroeste, Campsui Comércio de Alimentos Ltda, Frigorífico Baby Beef Ltda., Frigorífico Better Beef Ltda., Couroada Comercial e Representações Ltda., Sol Importadora e Exportadora de Couro Ltda., Frigorífico Auriflama Ltda, Frigo Vale Indústria e Comércio de Carnes Ltda., Valentim Gentil Abatedouro de Bovinos e Suínos Ltda., Curtidora Catanduva Indústria e Comércio Ltda., Fri-Rio Distribuidora de Carnes Ltda., S.C.G. da Silva – Casa de Carnes.
Paralelamente, foram identificados três núcleos de servidores públicos que, mediante vantagens indevidas, prestam vários tipos de “serviços” ilícitos à organização criminosa, como abertura de empresas de fachada, mudança de regime de empresas, venda de acesso a sistemas da Receita Federal a empresas que não cumprem os requisitos para adquiri-lo, liberação de créditos acumulados de ICMS gerados fraudulentamente etc. Um dos núcleos de servidores é composto por agentes fiscais de rendas da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo; outro é composto por fiscais da Receita Federal lotados em Campinas; o terceiro é composto por uma auditora-fiscal do trabalho, que age em conjunto com o seu marido. Todos eles se relacionam com a organização criminosa, mas não se relacionam entre si.
3. O PREJUÍZO CAUSADO PELA QUADRILHA
O prejuízo causado pela organização criminosa ultrapassa a soma de R$ 1 bilhão, em tributos e multas federais, estaduais e municipais que deixaram de ser recolhidos nos últimos anos e em créditos fictícios de ICMS que foram gerados mediante simulação de operações comerciais que não existiram de fato.
Fazem parte da organização criminosa mais de cem empresas. Para se ter uma idéia, apenas cinco destas empresas tiveram movimentação financeira, nos últimos cinco anos, de mais de R$ 2.200.000.000,00 (dois bilhões e duzentos mil reais), sem recolher um centavo sequer em tributos aos cofres públicos.
Das empresas criadas com o único propósito de emitir notas fiscais “frias”, destaca-se a Pereira & Pereira Comércio de Carnes e Derivados Ltda, que em quatro anos emitiu R$ 172 milhões em notas fiscais sem que tenha movimentado um só centavo em suas contas bancárias. A empresa também não recolheu nada em tributos incidentes sobre esta movimentação.
Abaixo, fotografia da sede da Distribuidora de Carnes e Derivados São Paulo, empresa criada unicamente para fornecer notas fiscais “frias” ao esquema, e que apenas nos últimos cinco anos declarou receita superior a um bilhão e cem mil reais sem recolher um centavo sequer em tributos. A empresa fica localizada à Rua Siqueira Campos, 2257, em São José do Rio Preto/SP.

Na seqüência, fotografia da empresa Norte Riopretense Distribuidora – Frinorte, também criada para emitir notas fiscais “frias”, que declarou receita superior a R$ 170 milhões nos últimos cinco anos, também sem recolher nada em tributos. A empresa fica na rua João Mesquita, n.º 1692, bairro Boa Vista, em São José do Rio Preto/SP.

4. FLUXOGRAMAS COM A EXPLICAÇÃO DO ESQUEMA
4.1. O esquema de venda de notas fiscais “frias” a frigoríficos
Como já mencionado, um dos núcleos da organização criminosa lucra com a venda de notas fiscais “frias” a sonegadores, cobrando R$ 4,00 por cabeça de gado bovino e R$ 3,00 por cabeça de gado suíno que constam da nota.
Abaixo, o esboço do esquema, onde se pode ver claramente que a empresa de fachada no “noteiro” apenas emite as notas fiscais da transação, mas o gado, a carne e o dinheiro são movimentados pelo frigorífico que usa dos seus “serviços”. Estando em nome de “laranjas”, a empresa no “noteiro” absorve a carga tributária da operação sem nada recolher aos cofres públicos, e faz a “blindagem” do patrimônio do verdadeiro responsável pela operação, ocultando-o do fisco.

4.2. O esquema das transações simuladas envolvendo couro
Alguns dos clientes dos “noteiros” são donos de curtumes. Valder Antônio Alves (Macaúba) montou um “esquema” voltado especificamente a este tipo de empresa para, a um só tempo, sonegar ICMS e gerar créditos fictícios deste mesmo imposto nas operações envolvendo o beneficiamento de couro. A fraude é conhecida como “esquema do couro piquelado” .
Até 31.12.2005 os subprodutos da matança do gado (couro, sebo, osso, chifre etc.) pagavam ICMS na saída do estabelecimento abatedor, mesmo nas operações dentro do Estado. A partir de 01.01.2006, em razão de alteração na legislação, o ICMS que incide sobre o subproduto do abate passa a ser diferido, isto é, pago na “entrada em estabelecimento industrial, ainda que para simples curtimento” . Neste caso, se o curtume adquirir couro “fresco” de um frigorífico, fica responsável pelo pagamento do ICMS quando a mercadoria entrar em seu estabelecimento.
Para não terem que pagar o ICMS que incide na aquisição do couro pelo curtume, simula-se que foram as distribuidoras de fachada de Valter Antônio Alves que adquiriram o couro “fresco” e que, posteriormente, venderam-no ao curtume, já com o crédito de ICMS destacado na nota. O imposto deveria ser recolhido pela Distribuidora São Paulo e pela Norte Riopretense, mas sabemos que isso não ocorrerá. As empresas de fachada de Valder, portanto, absorvem a carga tributária da operação e simulam vender o couro ao curtume, que irá adquiri-lo “já com ICMS”.
Como as empresas de Valder Antônio Alves não possuem registro CNAE de curtume, simulam uma nova operação: emitem nota de simples remessa do couro que teriam adquirido para um curtume de fachada, que simula ter prestado serviços de industrialização, beneficiando o “couro fresco” e transformando-no em “couro piquelado”; uma nova nota fiscal de simples remessa é emitida do curtume de fachada para a distribuidora de fachada de Valter Antônio Alves. Esta, por sua vez, simula ter vendido o couro, já beneficiado, ao curtume que é, na verdade, o verdadeiro adquirente do couro fresco.
Abaixo, o fluxograma com o esquema envolvendo “couro piquelado”. As transações simuladas são as seguintes: a) venda do couro “fresco” do abatedouro para a distribuidora do “noteiro”; b) emissão de nota fiscal de remessa para industrialização a um curtume de fachada; c) emissão de nota fiscal de remessa do couro já “beneficiado” (“piquelado”) do curtume de fachada para a distribuidora do “noteiro”; d) emissão de nota fiscal de venda para o curtume que é o cliente do “esquema”, o qual, na realidade, adquiriu o couro diretamente do abatedouro, ainda no estágio “fresco”, sem beneficiamento.

4.3. O papel dos “taxistas” no esquema
A expressão “taxista” é derivada da palavra “taxa”. Na organização criminosa desbaratada na Operação Grandes Lagos, os “taxistas” atuam sem relação de subordinação hierárquica com os “cabeças”. O papel dos “taxistas”, no entanto, é muito importante no esquema. Consiste no seguinte: o “taxista” é uma pessoa física que atua como um verdadeiro frigorífico, comprando gado de produtores rurais, e o abatendo em instalações de terceiros pagando uma “taxa” pela utilização destas instalações. Após o abate, a carne é vendida para açougues, supermercados e distribuidoras de carnes. A compra do gado e a venda da carne é feita pela conta e risco do “taxista”. A “taxa” paga pela utilização das instalações para o abate consiste num valor em dinheiro, no subproduto do abate, ou em ambos. Para comercializar sua produção o “taxista” utiliza notas fiscais “frias” de empresas abertas em nome de “laranjas”. Quase nunca o “taxista” tem vínculo empregatício formal com o frigorífico em que a carne é abatida, e tampouco possui empresa aberta para representá-lo. Nenhum tributo é recolhido pelo taxista, sejam na compra do gado, seja na venda da carne.
Como são possuem empresas abertas em seu nome, os “taxistas” utilizam notas fiscais de entrada e de saída emitidas por empresas de terceiros, abertas em nome de “laranjas”, como a Norte Riopretense, de Valder Antônio Alves, e a Coferfrigo, de Alfeu Crozato Mozaquatro. Com estas notas fiscais “frias” os “taxistas” respaldam suas operações de compra e de venda, livrando-se do pagamento dos tributos federais e estaduais que nelas incide. Além disso, o transporte do gado do produtor rural até o local de abate, e do local de abate até o cliente final do taxista, é calçado com estas mesmas notas fiscais, protegendo a carga de eventuais fiscalizações nas rodovias.
Ainda com relação ao subproduto do abate que fica com o frigorífico como pagamento do “arrendamento” de suas instalações ao taxista: no caso do Grupo Mozaquatro, o couro que fica com a Coferfrigo e a Friverde como pagamento pelos serviços de abate que prestam a “taxistas”, é destinado ao curtume do grupo (Indústrias Reunidas CMA), que está aberto em nome dos verdadeiros proprietários. A operação é feita mediante a emissão de nota fiscal de saída da Friverde e Coferfrigo – empresas abertas em nome de “laranjas” – pois, com isso, a CMA “legaliza” a operação. É quase certo que a Coferfrigo e Friverde emitam notas fiscais de saída de couro à CMA com o valor superfaturado, pois com isso diminuirão a base de cálculo dos tributos que incidirão sobre a comercialização do couro por esta empresa, que está registrada em nome dos verdadeiros proprietários, todos da família Mozaquatro. Quanto ao sebo, o procedimento é o mesmo: as empresas do Grupo Mozaquatro abertas em nome de “laranjas” o destinam à graxaria do grupo, registrada em nome dos verdadeiros sócios. Parte do lucro da operação, portanto, é “contrabandeado” do fisco.
Com relação aos fornecedores e aos clientes do “taxista”: os produtores rurais vendem o gado para o “taxista”, que age em seu próprio nome, e não em nome do frigorífico que emite a nota fiscal de entrada. O mesmo ocorre com relação aos açougues e supermercados que adquirem a carne, que não tratam com funcionários da empresa de fachada que emite a nota fiscal “fria”. Foram interceptadas conversas tanto dos produtores rurais quanto dos clientes dos “taxistas” demonstrando perplexidade com o fato de terem negociado a venda do gado e a compra da carne com o “taxista” e a nota fiscal ter sido emitida por empresas que desconhecem.
Para escapar à ação da Polícia Federal, da Receita Federal, da Justiça e do Ministério Público, os taxistas alegam que agem em nome dos frigoríficos que emitem as notas fiscais frias, agindo como uma forma de “representante comercial” ou “corretor”. As provas colhidas no curso desta investigação mostram que isso não é verdade, e que esta história foi criada para iludir as autoridades envolvidas com a persecução penal.
Abaixo, fluxograma com o verdadeiro modus operandi dos taxistas. Antes, uma pequena observação. Pode haver, ainda, uma outra triangulação simulada do “noteiro”, no caso de ele simular que está enviando o gado que adquire do produtor rural para ser abatido noutro estabelecimento que não a sua empresa, que é uma distribuidora de carnes, e não um frigorífico. Neste caso, as operações simuladas seguirão o seguinte passo: a) emissão de nota fiscal “fria” de compra do gado pela distribuidora; b) emissão de nota fiscal “fria” de simples remessa do gado da distribuidora para o abate; c) emissão de nota fiscal “fria” de simples remessa do gado já abatido do frigorífico para a distribuidora; d) emissão de nota fiscal “fria” da distribuidora para o cliente do “taxista”. No gráfico abaixo não constam as etapas “b” e “c”.

4.4. A movimentação de contas bancárias de frigoríficos por procuração
Num passado recente, os “taxistas” movimentavam o dinheiro de sua atividade em contas correntes abertas em seu próprio nome, sem, no entanto, declarar seus rendimentos à Receita Federal. Eles não tinham preocupação em serem detectados, pois a Receita Federal ainda não dispunha de meios para aferir a movimentação financeira dos contribuintes.
Com o advento da CPMF, a Receita Federal passou a dispor uma poderosa ferramenta para mapear fraudes fiscais. Com base nos valores pagos a título de CMPF pelos contribuintes, o fisco federal passou a estimar qual foi a sua movimentação bancária no período. Logo de início, verificou-se que milhares de contribuintes que se declaravam isentos ou que declaravam rendimentos irrisórios apresentavam movimentação financeira de vários milhões de reais.
Uma das primeiras operações contra estes contribuintes – “laranjas” e sonegadores – foi desencadeada pela Receita Federal por volta do ano de 2000. Seu objetivo era fiscalizar contribuintes que se declararam isentos no ano-calendário de 1998, mas cuja movimentação financeira neste período tinha sido superior a dois milhões de reais. Vários “taxistas” foram incluídos nesta fiscalização, pois movimentavam o dinheiro de sua atividade em suas contas correntes pessoais sem declarar os rendimentos ao fisco. As notas fiscais de compra de gado do produtor rural e da venda da carne a açougues e supermercados eram emitidas por empresas de fachada criadas com o único propósito de servir a este esquema, como é feito até hoje.
Com o advento da CPMF e o conseqüente aperto do cerco aos “taxistas” que movimentavam dinheiro de sua atividade em suas contas pessoais, o esquema se sofisticou.
Evitando fazer transitar o dinheiro em sua conta, os “taxistas” que não têm uma movimentação financeira tão vultosa passaram simplesmente a repassar os cheques das carnes que comercializavam aos produtores rurais dos quais adquiriram o gado para ser abatido. Outros, cujo grande volume de gado e carne negociados tornava esta prática inviável, obtiveram um pequeno “favor” dos frigoríficos em cujas instalações abatiam o gado: estes passaram a abrir contas correntes em nome de filiais da empresa, colocando como “procurador” da conta o “taxista”, que passou a movimentá-la como se fosse sua. Como os frigoríficos eram abertos em nome de “laranjas”, pode-se movimentar dinheiro à vontade na conta, pois as transações são todas declaradas em nome do frigorífico, sem que, no entanto, os tributos sejam recolhidos. Dá-se, assim, contornos de simples inadimplência a um esquema montado adredemente para sonegar tributos.
A quebra de sigilo bancário decretada nos autos, com o conseqüente envio de informações à Justiça pelo Banco Central, mostra que apenas uma das empresas investigadas têm nada menos do que quinze procuradores cadastrados nos bancos em que tem contas, sem contar com os sócios da empresa.
No fluxograma abaixo, a síntese do que ocorre com os “taxistas de confiança” dos abatedouros, quando estes lhe outorgam procuração para movimentar as contas bancárias de sua empresa como forma de agradá-lo e mantê-lo como “parceiro” do negócio. A conta corrente pertence de direito ao frigorífico, mas os valores nela movimentados pertencem ao “taxista”, dono de direito da conta.

5. OS NÚMEROS DA INVESTIGAÇÃO E DA OPERAÇÃO
Compõem a estrutura da organização criminosa 159 empresas, incluindo suas filiais, e 173 pessoas que já foram identificadas, das quais foram decretadas as prisões de 109 investigados. As funções de cada um no grupo variam: há os “cabeças”, os “laranjas”, os “gerentes”, os servidores públicos, os “facilitadores” e os “taxistas”.
Foram necessários cerca de 700 policiais federais, entre agentes, escrivães e delegados, para cumprir 109 mandados de prisão e 143 mandados de busca e apreensão. As buscas foram realizadas nos estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Bahia, Minas Gerais e Goiás, em dezenas de cidades diferentes.
Foram mobilizadas as superintendências da Polícia Federal em seis estados diferentes para arregimentar todo o pessoal envolvido no cumprimento dos mandados de busca e apreensões e de prisões.
6. PRÓXIMOS PASSOS
A Polícia Federal analisará o material apreendido nos endereços que foram alvo de busca e apreensão, interrogará todos os investigados e ouvirá as testemunhas dos fatos já identificadas. O inquérito policial que materializa a investigação será concluído nos próximos 60 dias.
O Ministério Público Federal está analisando as provas reunidas até o momento pela Polícia Federal e elaborando as denúncias contra todos os envolvidos com a quadrilha.
A Receita Federal, o INSS e a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo iniciarão auditoria para levantar os créditos tributários de algumas empresas que ainda não foram fiscalizadas. Várias empresas já foram fiscalizadas, porém os créditos tributários apurados foram lançados em nome dos “laranjas” e das empresas de fachada.
A Procuradoria da Fazenda Nacional irá analisar o material para cobrar, dos verdadeiros responsáveis, as dívidas que já foram lançadas em nome de “laranjas” e de empresas de fachada e empresas-fantasma.
7. AUTORIDADES RESPONSÁVEIS
A investigação criminal do esquema ficou a cargo do delegado de polícia federal Victor Hugo Rodrigues Alves; a coordenação da operação policial ficou a cargo do delegado de polícia federal Rogério Giampaoli.

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