sexta-feira, 20 de setembro de 2024
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Remédio de farmacêutica sem fins lucrativos abre novos caminhos

Em julho de 2000, a primeira companhia farmacêutica sem fins lucrativos do mundo foi criada, o Instituto para Uma Saúde Mundial (IOWH, na sigla em inglês). Se a idéia parece…

Em julho de 2000, a primeira companhia farmacêutica sem fins lucrativos do mundo foi criada, o Instituto para Uma Saúde Mundial (IOWH, na sigla em inglês). Se a idéia parece absurda num mundo regido pela economia de mercado, seis anos depois, a iniciativa acaba de se provar possível. Após pesquisas, a empresa conseguiu seu primeiro registro de medicamento, na Índia. Do outro lado do mundo, ou seja, aqui no Brasil, iniciativas não exatamente iguais, mas parecidas, também ganham força. Nas próximas semanas, o governo brasileiro deve oficializar o registro de um novo remédio contra a malária, desenvolvido por uma parceria entre organizações não-governamentais, empresas e institutos públicos e privados de pesquisa.

Em comum, as duas iniciativas visam o desenvolvimento de medicamentos para as chamadas “doenças negligenciadas”, que afetam especialmente países de terceiro mundo, como malária, leishmaniose e doença de Chagas. Enquanto o Instituto para Uma Saúde Mundial atua como uma companhia farmacêutica, com laboratórios e profissionais próprios, o trabalho no Brasil é liderado pela Iniciativa por Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDI, na sigla também em inglês), uma parceria público-privada que envolve diversos países — inclusive a brasileira Fundação Oswaldo Cruz. (Saiba mais sobre o trabalho do DNDI e o remédio contra a malária aqui).

O medicamento desenvolvido pela IOWH combate a leishmaniose visceral, um subtipo de leishmaniose que afeta os órgãos internos, aumentando o tamanho de fígado, baço e gânglios linfáticos, e causando uma intensa perda de peso que, sem tratamento, leva à morte. A doença é encontrada em diversos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, mas 90% dos casos se concentram em apenas cinco: Índia, Bangladesh, Nepal, Sudão e Brasil.

O remédio aprovado na Índia após apresentação do Instituto é, ao mesmo tempo, uma droga velha e nova. “A injeção de paromomicina é um antibiótico sem patente ainda vendido nos Estados Unidos para tratar alguns parasitas intestinais. Em 2005, recebemos autorização dos EUA e da Europa para estudar sua ação contra a leishmaniose visceral”, contou ao G1 o francês Phillippe Desjeux, chefe do controle de doenças do IOWH, que trabalhou por 20 anos na OMS (Organização Mundial de Saúde) e coordenou a pesquisa.

Para conseguir torná-lo uma realidade, no entanto, foi preciso muita pesquisa — o que custa muito dinheiro. Para isso, o Instituto contou com o apoio de alguns investidores. O principal, o magnata da computação Bill Gates, através de sua Fundação Bill e Melinda Gates, conhecida por seu apoio a causas sociais. “Somos poucos, mas temos um bom financiamento”, agradece o francês.

O registro do medicamento é um marco para a saúde mundial. Primeiro, porque ele é barato. “Nós acreditamos que todo o tratamento, de 21 dias, deve custar algo em torno de US$ 10 — e esse preço pode baixar. Isso é extremamente importante, porque essa é uma doença que afeta majoritariamente os pobres”, diz Desjeux. “E, como os grandes laboratórios farmacêuticos visam o lucro, não é vantagem nenhuma para eles produzir um remédio caro que afeta um grande número de pessoas pobres — então eles não investem nisso”, afirma.

Em segundo lugar, porque a droga funciona. “Antes da questão do preço, o mais importante de tudo é simplesmente ter um novo remédio contra a leishmaniose visceral”, afirma o médico especialista no assunto Carlos Eduardo Corbett, da Unifesp (Universidade Federal Paulista). “Uma das maiores dificuldades para tratar essa doença é a falta de medicamentos. Temos poucos. E é uma enfermidade extremamente difícil de ser controlada”, diz o brasileiro.

Por fim, porque o registro ocorreu na Índia. “A Índia tem um grande problema que é um enorme número de companhias farmacêuticas privadas”, afirma o belga Michel Lawtroska, representante no Brasil da Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais, da organização não-governamental Médicos Sem Fronteiras. “Por isso, os remédios são muito caros. Não é raro que uma pessoa acabe comprando apenas metade, ou nem isso, de um tratamento, por pura falta de dinheiro”, explica.

Segundo Phillippe Desjeux, a aprovação do medicamento mostra que um novo tipo de companhia farmacêutica é necessário, e possível. “Já está acontecendo. Funciona”, diz ele. “É um desafio enorme? Com certeza é. A enormidade do desafio só é comparável à necessidade que pessoas no mundo todo estão passando”, afirma.

De seu lado, a indústria farmacêutica comum reconhece os avanços obtidos por iniciativas do tipo. “É uma coisa genial, uma grande conquista”, afirma Gabriel Tannus, presidente da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma). E agradece. “Acho que, em vez de investir tempo e dinheiro procurando fazer cópias de remédios, quebrando patentes, essas organizações deviam investir nisso: em pesquisa de medicamentos que não existem”, diz ele. “É um dinheiro melhor empregado”.

“Por mais que se esforce, a indústria farmacêutica ainda não conseguiu atender todas as demandas da humanidade, então algo do tipo precisa ser elogiado”, confessa Tannus.

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