domingo, 22 de setembro de 2024
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Vidas em risco

Com apenas 16 anos de idade, Andréa (nome fictício) engravidou de um garoto com quem tinha saído uma única vez. Desesperada, com medo da reação dos pais, seu único pensamento…

Com apenas 16 anos de idade, Andréa (nome fictício) engravidou de um garoto com quem tinha saído uma única vez. Desesperada, com medo da reação dos pais, seu único pensamento era tirar o bebê. “Procurei uma amiga que já havia abortado e ela me arrumou um esquema para comprar o Cytotec (medicamento abortivo) de um cara que trazia do Paraguai. Era muito caro, quem pagou foi o garoto que me engravidou. Foi só pagar e pegar, muito fácil”, conta. Ela aproveitou um horário de ausência dos pais para tomar dois comprimidos e inserir outros dois no útero (como se aplica um absorvente interno). “Esperei a reação do medicamento e algumas horas depois, ‘fiquei menstruada’. Não tive dores; eu estava com quase três meses de gravidez”, lembra.

Por sorte, Andréa não teve complicações físicas ao praticar o aborto, mas a imagem do feto morto a persegue. “Quando vi o feto, no vaso do banheiro, fiquei chocada. Tenho a sensação de que já matei, é horrível. Nunca contei a história a ninguém, porém, anos depois, fui a uma benzedeira com minha mãe e ela revelou meu segredo. Minha mãe ficou preocupada, queria saber como tudo aconteceu, mas eu não disse nada”.

Andréa, hoje com 28 anos, diz acreditar que se tivesse recebido orientação sexual dos pais a história teria sido outra. “Os pais não costumam falar disso com os filhos e, na escola, as informações são muito superficiais. Meus pais são instruídos, mas acho que erraram quanto à educação sexual. É um problema do Brasil, na verdade, tratar o aborto e o sexo como tabus. Não sou a favor do que fiz, mas sou a favor da informação e da educação. Matar não é legal, em nenhuma circunstância. É mais fácil superar brigas, cara feia e broncas do que as lembranças ruins”.

Crime
Uma pesquisa da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) revelou que, em 2005, ocorreu um milhão de abortos clandestinos no Brasil. De acordo com o Ministério da Saúde, cerca de 220 mil mulheres realizam curetagens em decorrência de abortos no SUS (Sistema Único de Saúde), por ano. Recentemente, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, defendeu a realização de um plebiscito sobre a legalização do aborto no Brasil, o que suscitou diversos movimentos contra e a favor.

O aborto é considerado crime contra a vida, segundo os artigos 124 a 127 do Código Penal, exceto quando existe risco de morte da mãe ou gravidez decorrente de estupro. As duas modalidades previstas por lei só podem ser praticadas por médicos. A pena para o auto-aborto pode ser de um a três anos de prisão. Já nos casos de aborto realizado por terceiros, as penas variam caso tenha consentimento ou não da gestante. Se for feito com a concordância da mãe, a pena pode ser de reclusão de um a quatro anos. Se não for, quem fez o aborto pode pegar de três a dez anos de prisão.

São raros os casos de pessoas que foram presas pela prática ilegal do aborto. Votuporanga, por exemplo, não tem registro de casos do tipo. Também não há dados concretos sobre número de abortos ilegais e de curetagens, mas, segundo o obstetra Júlio César Andrade, as incidências não são preocupantes ou assustadoras.

César conta que, quando uma mulher procura atendimento sob suspeita de aborto criminoso, o médico pode acionar a polícia. “Existem situações nas quais não conseguimos perceber isso, quando a mulher não apresenta sinais de agressão ao útero, por exemplo, então não podemos encaminhá-la à Justiça, é uma situação delicada. Quem aborta com o Cytotec, como é a maioria dos casos, normalmente não apresenta sinais de agressão ao útero”.

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