“O senhor no regime militar foi um inconformado com as injustiças que se cometiam e um guerreiro pela liberdade. Como homem público seu passado nos dá esperança. Muitas vezes, assessores não conseguem passar informações mais profundas sobre a realidade. Por isso, sinto-me no dever de cidadão e, em nome da liberdade, alertá-lo dos gravíssimos problemas que vive uma instituição que lida diuturnamente com o povo e está sofrendo injustiças advindas de todos os ângulos da sociedade – a Polícia Civil e, especificamente, quem a dirige o Delegado de Polícia.
Senhor Governador, vivemos a terceira geração pós-ditadura. Muitos policiais de hoje desconhecem esse período negro, onde a inteligência da Polícia Civil foi utilizada para perseguir oponentes, passando por algoz de estudantes, artistas e líderes operários. Enquanto militares à paisana, se afirmando doutores, torturavam. Os promotores de Justiça, que são hoje vedetes de notáveis acontecimentos e o próprio Judiciário quase nada questionavam. Os esquerdistas, cegos nesse ranço, só fortaleceram na Constituição de 88 as condutas remanescentes do coronelismo e da ditadura, abrindo ainda oportunidades de investimentos na insegurança. O Exército, hoje sucateado, assiste ao aprimoramento das forças reservas. Falta esclarecimento e coragem para enfrentar o lobby do militarismo na polícia e o de quem lucra com a violência. No mundo civilizado a polícia é escolarizada e preparada para conviver com o cidadão nas ruas, não adestrada para o encastelamento e a defesa de feudos.
Senhor governador, ainda vivemos nesse ranço cego de teóricos e “sábios” contra a Polícia Civil paulista. Uma perseguição que passou do tolerável. A Polícia Civil, além de amplamente aberta, é fiscalizada como nenhuma outra instituição – Corregedoria e Ouvidoria exclusivas, controle externo do Ministério Público (MP) e serviço secreto P2 da Polícia Militar (PM) – não tendo vocação e nem encontrando tempo para se defender de noticiários oportunistas. Porque atende 24 horas, com policiais trabalhando em turnos de três e até duas equipes. Um massacre ao trabalhador, que já compete ser denunciado a OIT e órgãos internacionais. É a única que além de ter sangue frio e tranqüilidade celestial para servir de panacéia aos dramas diuturnos dos cidadãos, atende tenentes recém saídos das Academias, exigindo flagrantes absurdos, administra depósitos de presos da Justiça – esses abnegados, muitos mortos covardemente nas madrugadas – sem guaritas para alertá-los, porque soldados que lá deviam estar sobram nos quartéis ou convivem com privilegiados. O povo quer o policial de imediato – a pé, de bicicleta, de viatura… Não adianta fugir dessa realidade construindo postos maravilhosos para registrar fatos que poderiam não ter acontecido. Já existem as delegacias vergonhosamente esquecidas de investimentos. Será que é preciso morrer mais policiais civis e praças nos plantões e nas viaturas, para novas discussões?
Senhor governador, a Academia de Polícia Civil não tem condições de alimentar seus alunos como os da militar. Mas para a Cavalaria da PM, além de veterinários, ordenanças e oficiais com vários cursos de especialização, tem diariamente leite, alfafa, ração especial, material de limpeza, produtos para conservação, remédios, iluminação especial, diversos enfeites etc. Os animais merecem, mas os cidadãos querem segurança pública e não essa inépcia com os seres humanos civis.
O Estado tem um gasto enorme com a implantação de concursos para Delegados de Polícia, os candidatos quando tomam conhecimento das responsabilidades do cargo e os vencimentos chegam a não acreditar. Insistem porque o desemprego é muito grande. Depois, o abandono chega a 20% na formação e mais de 40% após um a dois anos de carreira. Se for para outra profissão, pelo menos ninguém esquecerá a imagem do Delegado de Polícia e seus agentes, vivendo com o povo, ao vivo e nas dores. Não vai esquecer das vezes que teve de responder apurações, ofícios, representações, da arrogância da PM, das implicâncias do MP e tudo que a Inquisição da Polícia Civil pede de forma sumaríssima. Vai lembrar das férias denegadas e as sem substituto, de quando teve de responder por duas, três, quatro… unidades. Enquanto outros, além de receber esses acúmulos, incorporam vantagens, tem dois recessos por ano, ganham viagens de estudo e congressos, têm disponibilidade remunerada, se aposentam com cinco anos, recebem ajuda de custo e tentadoras vantagens apresentadas por esse país afora. Ninguém agüenta, depois, tem empresa de segurança pagando mais que o dobro e sem precisar de diploma.
Senhor governador, há muito contatamos pessoas influentes e vários políticos. Sensibilizados, prometem, mas sempre algo emperra. Percebemos como estamos sendo vigiados e cercados. Qualquer projeto da classe é massacrado por infinitas e absurdas emendas. Outros com soluções mágicas querem acabar com nossa experiência histórica na investigação criminal. Os Delegados de Polícia nunca se mobilizaram para impedir reivindicações de outras categorias, por mais injusta que possa parecer. Em 1989, na constituinte paulista, o Ministério Público lotou o plenário da Assembléia Legislativa para impedir as reivindicações dos Delegados de Polícia. Recentemente, a Polícia Militar mobilizou todo o seu esquema conhecido para impedir as reivindicações mais cristalinas dos Delegados de Polícia. São atitudes que ficarão na História do Brasil – classes mobilizadas para impedir o progresso de outra!
Senhor governador, quem comanda investigações é o Delegado de Polícia. Ele deveria ter o controle da tecnologia de ponta das informações. Mas esse benefício aos cidadãos, está com a P2. Militarizada, vive de bisbilhotices absurdas que servem apenas para a defesa da própria PM. Ainda ironizam esta crítica. Por que não levantaram que o crime organizado mataria tantos policiais civis, praças e até cidadãos comuns, como ocorreu recentemente?
O inquérito policial em mais de cem anos, enquanto não era alvo de outras instituições, correspondeu às expectativas de justiça e a população vivia mais tranqüila. O Brasil não era medalha de ouro em desigualdade social e na distribuição de renda. Regrado por prazo e fiscalizado pelo Judiciário, milhares são abertos diuturnamente. Porém, só os de maior destaque são acompanhados pelo MP. Com entrevistas à mídia e nada de praticidade e eficiência. Em muitos casos, denúncias em inquéritos relatados, são oferecidas depois do prazo, sem que ninguém fiscalize. No inquérito civil (MP), tudo é diferente. Sem regras, prazo ou satisfação a ninguém, muitos são instaurados em cima de denúncias de reportagens e arquivados se assim entenderem. Imagine um Delegado de Polícia arquivando um inquérito policial por mais simples que seja. Vira manchete do Jornal Nacional. E a apuração dos fatos que chegam as delegacias? O Investigador de Polícia, como as demais carreiras policiais civis, estão cada dia mais acuados, além de obrigados a atender presos, desviando de suas funções tem que levá-lo até outras cidades, de forma precária, com risco de resgate, para audiências as 13h e atendidas as 17h, ou constantemente adiadas. Bem como atender cotas cobrando picuinhas, muitas vezes através de representações injustas.
Muitas delegacias dependem de favores. O poder econômico ocupando o lugar do Estado é tão perigoso quanto o crime organizado. Só de levar para a delegacia o filho de um benemérito da polícia pego usando drogas, em rachas, bêbado, badernando ou sem habilitação, gera muitas vezes um inferno para policiais, que via de regra, acabam removidos.
Senhor governador, contra a Polícia Civil e a atividade do Delegado de Polícia tudo foi há muito tempo planejado e bem executado. Mas a História está provando que essa falta de visão, na inversão de valores, só tem aumentado a insegurança pública. O crime evoluiu e a busca e apreensão foram proibidas. Faltam plantões diuturnos de Justiça – criminosos não podem ser imediatamente identificados e produtos de crime se evaporam. Professores do Ministério Público ironizam os alunos de Direito que desejam seguir a carreira de Delegado de Polícia. Oficiais da PM, aquartelados, determinam a seus subalternos que tratem os Delegados de Polícia por bacharéis. Quadros humorísticos e telenovelas mostram Delegados de Polícia como vilão e Promotores de Justiça como salvadores do mundo. Nos tempos em que estes eram desconhecidos a sociedade vivia bem melhor, o Delegado de Polícia podia tomar decisões rápidas que desburocratizavam a Justiça e o povo aplaudia. Se um representante do MP acordar de madrugada para atender a uma resistência, invasão de distrito ou motim não é para auxiliar o Delegado de Polícia e seus heróicos agentes, mas sim para apressar uma prisão preventiva desses escravizados servidores. Diariamente os Delegados de Polícia relatam abusos, arbitrariedades e tentativas de humilhação que vem sofrendo a Polícia Civil pelo Estado afora. Muitas vezes com o auxílio de parte irresponsável da imprensa. Esses fatos acrescidos da humilhação dos vencimentos têm gerado uma revolta muito grande, não só nos policiais, mas também nos familiares e amigos. Em vários locais têm acontecido reuniões da própria sociedade pedindo providências. Ninguém agüenta ver esse descaso com a Polícia Civil e a criminalidade aumentar.
Autoridades do governo vêm tentando minimizar os movimentos que afloram pelo Estado – operação padrão, passeatas, paralisação temporária, denúncias públicas e greves. Ouvir os policiais para efetivar ações é a política que a sociedade espera. A Polícia Civil não fecha suas portas, há seis meses espera o novo Governo. A causa é justa. Humilhação tem limite.
Senhor governador, o Estado não faz justiça a funcionários com a mesma formação profissional. O Delegado de Polícia – menor vencimento do Brasil – que faz juntamente com seus abnegados agentes a melhor polícia do país, atende, sofre e toma decisões a qualquer hora, no calor dos fatos, diferente de outras carreiras que com a mesma formação e trabalhando no período da tarde e em semanas reduzidas, percebem três, quatro vezes mais. Os Delegados de Polícia querem aumento e dignidade, mas não o que Promotores de Justiça recebem no fim do mês, uma quantia injusta para uma Nação tão carente. Um país que viu o MP insistir em normas para o Estatuto da Criança e do Adolescente, mas que não tem um mísero centavo para tirá-las dos cruzamentos, da escravidão da lavoura, para dar escola e trabalho as desocupadas pelas periferias, para encaminhar as que passam as noites por qualquer droga, para encontrar as das infinitas listas de desaparecidos. E quem processa os que se promovem com elas e com essas listas? E quem tem coragem para denunciar a mídia incentivando a violência, a estupidez e as gangs – dos desenhos animados a tela quente? É a mesma que faltou na ditadura militar.
Criar leis é fácil, mas quem acorda de madrugada, fins de semana e feriados para receber adolescentes infratores que a lei determina, ou fiscalizar crianças e adolescentes sem habilitação ou rachas? O Brasil não pode mais viver de brincadeiras e hipocrisias. O país é pobre e precisa de dinheiro para a sobrevivência de seus seres humanos. Como pode um procurador ganhar R$ 55 mil, 2.400 procuradores e promotores ganharem, por volta de R$ 22 mil, um promotor recém formado iniciar com R$ 12 mil ou um agente do MP ou outro funcionário burocrata do Judiciário, trabalhando à luz do dia, receber mais de que um Delegado de Polícia, que fica diuturnamente a disposição do cidadão? E os holerites da caixa preta e da folha de pagamento dos oficiais da PM, que escondem do povo? O policial civil não pode se aposentar porque perde metade dos vencimentos. Tem de ficar até a expulsória aos 70 anos. Na PM, de cada 18 oficiais 17 foram para a reserva, com cerca de 50 anos e ganhando aquilo que um dia o povo vai descobrir. Nenhum país aguenta isso! Chega! Tem policiais civis dispostos a enfrentar qualquer obstáculo para acabar com esse acinte, que atinge moralmente seus familiares e amigos!
Senhor governador, desculpe, porque a cada dia vejo mais colegas gritando desesperadamente por JUSTIÇA, dispostos a tomarem qualquer tipo de atitude. Estamos lutando para que o bom senso prevaleça. Alguém nos dê atenção com ações efetivas. A continuar assim, não vai ser fácil explicar aos nossos netos porque fomos tão negligentes e omissos para com o futuro deles”.
São Paulo, 2 de agosto de 2007
Marcos Antonio Gama
Delegado de Polícia