sexta-feira, 20 de setembro de 2024
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Igrejas travam guerra por fiéis da região

Nos últimos cinco anos, a Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD) experimentou um crescimento vertiginoso na região de Rio Preto. Nesse período, a sigla liderada pelo apóstolo Valdemiro Santiago…

Nos últimos cinco anos, a Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD) experimentou um crescimento vertiginoso na região de Rio Preto. Nesse período, a sigla liderada pelo apóstolo Valdemiro Santiago instalou 47 templos no Noroeste paulista, que hoje reúnem cerca de 32 mil seguidores, conforme estimativa dos próprios pastores.

Tamanho crescimento em tão pouco tempo – em 2007 a IMPD criava seu primeiro templo regional, no Centro de Rio Preto – chamou a atenção de sua maior concorrente, a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), do bispo Edir Macedo.

Isso porque a Iurd demorou mais de duas décadas para ter 44 igrejas entre Barretos e Santa Fé do Sul. Sete delas estão em Rio Preto, o foco principal da batalha por fiéis no Noroeste paulista: no maior município da região, a Mundial já contabiliza aproximadamente 5 mil seguidores, contra estimados 10 mil na Universal.

O crescimento obrigou a IMPD a trocar de endereço na cidade. No fim do ano passado, trocou um acanhado imóvel no Centro por galpão alugado por R$ 24 mil mensais no bairro Mançour Daud com capacidade para 2 mil pessoas. A Mundial também arrendou uma emissora de rádio, a Jovem Pan FM.

“Mesmo para uma igreja neopentecostal, onde o fluxo de seguidores que entram e saem é maior do que entre as siglas evangélicas tradicionais, é um crescimento espantoso”, afirma Gilbean Ferraz, presidente do Conselho de Pastores de Rio Preto. Como comparação, a Igreja do Evangelho Quadrangular, pentecostal, demorou 53 anos para angariar 15 mil fiéis em Rio Preto.

Nas três últimas semanas, os líderes das duas igrejas,ex-aliados e hoje aquirrivais, trocaram pesadas acusações pela TV (leia mais nesta página). A guerra jogou luz sobre uma disputa silenciosa entre as duas siglas por fiéis. Macedo, segundo a revista Veja, tem perdido seguidores e pastores para a igreja do apóstolo. Em 14 anos de existência, a IMPD teria conquistado 20% dos membros da Universal.

Rio Preto reflete essa tendência. Pelo menos quatro pastores da Mundial vieram da Universal, inclusive o líder regional da IMPD, bispo Flávio de Deus. O seu blog na internet qualifica de “ridículo” e “desesperado” o ataque da Universal contra o apóstolo Valdemiro.

“Durante muito tempo Edir e sua turma achavam-se os melhores, os donos da verdade, humilhavam, pisavam e torciam para que aqueles que saíssem da igreja ficassem no fundo do poço! Mas Deus levantou a Igreja Mundial (…) É isso que dói no coração deles… ficou provado: existe vida pós Iurd!”, escreveu. Procurado na última semana, o bispo estava em viagem a São Paulo e não foi localizado.

Clima de guerra

O clima beligerante se espalha pelos fiéis. Laíde Pires, 68 anos, foi seguidora da Iurd por 18 anos. Há um ano e meio migrou para a IMPD. “Aqui eles ensinam a palavra de Deus, tocam no coração da gente. Lá (na Universal), tinha dia que nem a Bíblia abriam direito”, compara. Outra diferença, segundo os fiéis que migraram da Universal para a Mundial, são os pedidos de verba para a igreja. “Na Universal eles só falam de dinheiro, de sacrifício financeiro. Na Mundial não é assim, só pedem o dízimo”, afirma outro seguidor, que não quis ser identificado.

Para o especialista em ciências da religião Paulo Romeiro, no entanto, há mais semelhanças do que diferenças entre Universal e Mundial. “Nenhuma delas tem preocupações doutrinárias. Ambas se valem de um discurso persuasivo para arrecadar dinheiro: a Iurd com o argumento do sacrifício, e a Mundial com as colunas de Deus. Porque manter igrejas neopentecostais mundo afora custa muito caro: são aviões, helicópteros, construções de templos, compra de espaço na TV.”

Mas Romeiro também destaca detalhes que, segundo ele, têm jogado a favor do apóstolo Valdemiro. “Enquanto os pastores do Edir Macedo não descem da tribuna, Valdemiro abraça as pessoas, chora, demonstra carisma. O apóstolo mudou o neopentecostalismo no Brasil”, afirma o especialista.

Edir ‘interrogou’ diabo para atacar apóstolo

A guerra entre o bispo Edir Macedo e o apóstolo Valdemiro Santiago começou em fevereiro, quando, durante um culto, Macedo “interrogou” o diabo, que, supostamente encarnado em uma fiel, “confessou” ter se instalado na IMPD.

“É você que tem tirado os pastores da Universal?”, pergunta o bispo. “Eu me sinto bem no meu trono (igreja Mundial). Eu curo todo mundo”, responde a devota. “Ele ganha todas as almas pra mim, por isso a igreja dele tá cheia”. A cena foi ao ar na TV – procurada, a Iurd não se pronunciou sobre o caso.

Valdemiro retrucou na mesma moeda. “Tô falando para a igreja da fogueirinha, da Record, que fica me perseguindo falando um monte de abobrinha. Tô falando daqueles doentes desenganados que o demônio está comendo o pâncreas e o fígado deles e não tomam juízo”, afirmou. Em resposta, Macedo exibiu reportagens sobre a compra, por Valdemiro, de fazendas de 26 mil hectares no Mato Grosso avaliadas em R$ 50 milhões.

Até 1998, Valdemiro era bispo da Universal. Mas, preterido por Macedo na indicação para um posto de maior visibilidade na igreja, rompeu com o chefe e fundou a Mundial. Segundo fiéis, o apóstolo ainda não veio à região.

Igreja é ré em 22 processos

A Igreja Mundial é ré em 22 processos judiciais na região. Desses, 21 são ações de despejo por falta de pagamento no aluguel de templos. O passivo da igreja atinge R$ 177,4 mil. Quatro desses processos foram julgados em primeira instância, todos determinando o pagamento do débito e a entrega do imóvel ao proprietário. Em ao menos outras três ações a IMPD pagou o passivo e busca encerrar os processos.

Uma das maiores dívidas da Mundial é relativa ao templo de Tabapuã. Em 2009, Sérgio Albuquerque locou um galpão na cidade para a igreja, a R$ 1,2 mil mensais. Mas, pouco tempo depois, a IMPD deixou de pagar pelo aluguel, e em junho do ano passado o advogado de Albuquerque, Miler Franzoti Silva, ingressou com a ação na Justiça. “O Sérgio se arrependeu de ter alugado para a igreja”, diz Silva.

Em Rio Preto, a Mundial é acusada de deixar de pagar o aluguel de um apartamento na Redentora para os pastores da igreja. O passivo atual é de R$ 6,9 mil, segundo o advogado do proprietário, Paulo Cezar de Oliveira.Rodrigo Celso Braga, advogado da Mundial, não foi localizado na última sexta-feira. A reportagem deixou três recados no seu escritório, mas não houve retorno.

Afogamento

Em outra ação, Maria de Lourdes Santos pede indenização de R$ 150 mil por danos materiais à IMPD e à usina Açúcar Guarani devido à morte de seu filho Luiz Carlos dos Santos em dezembro de 2007. Santos havia sido batizado por pastores da Mundial em um açude de Severínia pertencente à Guarani, e logo em seguida ao batismo decidiu atravessar a represa a nado. Morreu antes de chegar à outra margem. Maria de Lourdes alegou que o pastor da igreja não teria providenciado medidas simples de segurança.
Já a IMPD argumentou que o acidente foi por culpa exclusiva da vítima. A juíza da 2ª Vara de Olímpia, Andréa Galhardo Palma, deu razão à igreja. O advogado de Maria de Lourdes recorreu ao Tribunal de Justiça (TJ), que ainda não julgou o caso.

Pastor ataca Universal durante os cultos

Ataques diretos à igreja rival se misturam ao discurso bíblico dos pastores da Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD), prova de que a guerra contra a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) reverbera forte nos cultos.

O Diário acompanhou dois cultos na IMPD em Rio Preto na última semana, quarta e quinta-feira, todos comandados pelo pastor Gustavo. Em ambos, ele criticou a Universal. Os ataques mais fortes foram na quarta, à tarde. “Você tem sido testemunha de uma guerra, de uma batalha que dizem que é santa. Vocês sabem do que eu estou falando?”, pergunta o pastor ao público.

Em seguida, Gustavo remete às reportagens divulgadas pela TV Record contra o apóstolo Valdemiro Santiago, líder da Mundial. “Não sei se você viu na televisão, naquele canal que foi comprado com dinheiro do povo, uma reportagem contra um homem de Deus. (…) Quantas pessoas estão nesse momento diante da TV sentindo ódio do povo que é dessa igreja? Tem pessoas aqui que têm familiares de lá, e tem pessoas de lá que têm familiares aqui. O Evangelho foi feito pra quê, pra pregar ódio ou amor? Paz ou guerra?”

Os ataques vêm em meio à pregação bíblica de trechos do Apocalipse. E vão ficando cada vez mais diretos e intensos. Até que o pastor diz que, ao longo da história, Deus deu a unção para determinadas igrejas: primeiro os católicos, em seguida os pentecostais e a Iurd. “Deus deu a unção para a Universal. Mas aí a Universal cresceu, cresceu, cresceu, e se esqueceu de Deus. Até macumba faz na igreja agora. E Deus deu (a unção) para outra igreja”, diz o pastor, sugerindo ser a Mundial.

Na noite de quinta, as críticas vêm subliminares. Ao pedir o dízimo aos 500 fiéis no templo, a maioria gente simples, o pastor ironiza as críticas de que a Mundial desviaria dinheiro para favorecer seu líder Valdemiro. “Eu também quero aproveitar, em nome de Jesus, e pedir a sua oferta. Ladrão! Pensa o que você quiser. Posso pedir a sua oferta? Sim ou não?.”

Os fiéis respondem com aplausos. E Gustavo continua: “Se quiser me chamar de ladrão, o problema é seu. Eu só digo a você que um ladrão não ajuda, ele só rouba. Um ladrão não oferece nada, ele só tira e destrói. Um ladrão entra na sua casa e quebra tudo. Deus, não. Deus te pede aquilo que já pertence a Ele. Porque a vida que você diz que é sua, é dele. O ar que você respira, é dele. A casa que você mora foi Ele quem te deu. (…) Amém, igreja? Então, eu vou pedir a sua oferta. (…) Pastor, eu tenho uma oferta. Seja ela de 1 milhão de reais, seja de um centavo, traga aqui, em nome de Jesus.”

Todos os fiéis se levantam e vão até a tribuna, onde depositam seus envelopes com dinheiro. No decorrer do culto, com duração de uma hora e meia, o pastor deixa de lado a polêmica com a Universal, e prega o compromisso do homem com Deus e a libertação das tentações demoníacas. “Sai agora, força do mal. Abandona os caminhos desta pessoa. Eu dou uma ordem, em nome de Jesus, abandona esta vida. Em nome de Jesus, sai”, diz Gustavo aos berros.

Perto do fim, o pastor deixa a tribuna e retorna minutos depois vestido com um manto preto. Vai até os fundos da igreja e mergulha o corpo em um tambor com água. Em seguida, todos os fiéis passam seus objetos pessoais, como bolsas e bíblias, nos cabelos do pastor, antes de deixar o templo.Procurada por telefone e e-mail na última quinta-feira para se pronunciar sobre os ataques, a assessoria da Universal não se manifestou até as 17h de ontem.

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