“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”, já consagra a nossa Constituição Federal de 1988 em seu art. 1º.
Quem nos representa? Na Câmara Municipal, os vereadores. E qual a exigência para ser vereador? Saber ler e escrever… E ter coragem.
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Coragem, diz-nos o dicionário, é “moral forte perante o perigo, firmeza de espírito para enfrentar situação emocional ou moralmente difícil, qualidade de quem tem grandeza de alma, nobreza de caráter”.
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Houve — e continua havendo — incríveis casos de coragem de vereadores no Brasil. Na maioria deles a coragem veio de uma discreta pressão popular, como no caso de Santo Antônio da Platina, no Paraná, em que os vereadores quase que espontaneamente reduziram o próprio salário.
É bem verdade que desejavam aumentá-lo, mas, como nobres representantes do povo — e vendo que o povo não concordava —, reproduziram a vontade deste e desistiram do intuito. Melhor, reduziram-no. Foi resultado da população que se mobilizou: a real titular do poder. O salário, em vez de subir, caiu de quase R$ 4 mil para R$ 970.
Valor mais que suficiente e justo para uma missão tão nobre e abnegativa quanto a vereança. “Agora, quem quiser ser vereador vai ser por amor à função”, declarou um deles.
Outro bom exemplo é o que vem da cidade de Santana do Cariri, Ceará. A prefeita, devido à crise e à míngua dos recursos municipais, reduziu seus vencimentos e dos secretários em 25%. E lá nem foi preciso o povo sair às ruas.
Foram atos de coragem.
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Os homens bons se lançam à luta, ao serviço à comunidade, mas… Quem é capaz de separar o interesse seu (privado) do de todos (público)?
Acho que foi Montesquieu que disse que “todo aquele que detém poder tende a dele abusar, até que encontre um limite”.
Opa, vereadores, eis aqui o limite. Ou, nas palavras do Verissimo, “epa!”.
Nem que não fosse tempo de crise, o salário de R$ 8 mil é absurdo.
Esse é o risco de deixar para a própria pessoa o poder de definir o próprio salário: a tentação é grande — especialmente se ninguém estiver olhando…
Nesse momento a população exerce seu poder: é ela que deve fiscalizar seus representantes quando estes não resistem à tentação e ferem de morte a moralidade.
Quem se torna titular de mandato eletivo não é seu dono, apenas representante, e não pode buscar seus próprios interesses, mas antes o bem comum, os interesses da coletividade que o elegeu para tal.
Vê-se que não raro aqueles que alcançam degraus mais altos dão as costas àqueles que estão nos inferiores e os desprezam sem cerimônia — como os profissionais da medicina que agendam um horário para o paciente, mas o atendem na hora que querem (geralmente com muito atraso).
É a perigosa inversão de valores. Logo, logo, na Câmara, a banana vai estar comendo o macaco.
Vereança é serviço à população, não carreira.
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Para ser vereador é preciso coragem. Coragem para fazer ampla divulgação da data em que pretendem votar o projeto que aumenta seus salários para que a população esteja lá presente.
Mas e se já votaram? Se já aprovaram?
Isso seria impensável, pois quem faz as coisas na surdina, às escondidas, são os vis e dissimulados, os traiçoeiros. Quem se move furtivo, sob a terra e a sujeira, longe da luz do dia e dos olhos de todos, são os vermes, não os bons homens que aceitaram a nobre missão da vereança.
Se já votaram e aprovaram — o que apenas se cogita —, tenho certeza de que, como pessoas da mais indiscutível integridade, votarão outro projeto, agora para reduzir seus salários para o digno valor de um salário mínimo (valor mais que justo e suficiente às três noites por mês em que comparecem às sessões).
Eles terão essa coragem.
Pois a quem falta coragem resta apenas a vergonha.
O. A. SECATTO