sexta-feira, 20 de setembro de 2024
Pesquisar
Close this search box.

A Caminhada

Caminhar é uma maneira agradável de observar o que nos rodeia e de pensar na vida e a vida. Andar sem pressa. Percorrer mais com os olhos do que em…

Caminhar é uma maneira agradável de observar o que nos rodeia e de pensar na vida e a vida. Andar sem pressa. Percorrer mais com os olhos do que em distância.

Faço minha caminhada reflexiva às quartas-feiras à tarde. Sem horário definido, porém sempre do meio da tarde em diante, quando o sol não é mais capaz que esquentar minha cabeça tanto quanto meus pensamentos o são.
A palavra quarta-feira, em língua portuguesa não traz um significado que possa ser pensado além de um dia da semana, de mais uma feira, sem qualquer descanso.

Em outros idiomas, entretanto, os dias da semana tem sua origem ligada aos astros. Cada dia representa um astro do sistema solar. A quarta-feira é o dia de mercúrio,homenagem ao deus romano homônimo.
Voltando à minha caminhada semanal, poderia dizer que o percurso é quase uma rotina, o que se vê muda a cada estado de espírito comandado pela mente. Quanto mais introspectivo,mais se pode observar.

Depois de estacionar o carro, desço pela avenida larga, cheia de árvores e flores, cuidadas por alguma pessoa de mão boa, como dizia uma tia. Dependendo de onde viro,as ruas ora são estreitas, ora um pouco mais largas. Observo as construções ao longo. As classes sociais se descrevem em suas estruturas e adornos. Construções pomposas, de mármore, detalhes em cobre ou bronze dourado, alusão ao ouro, símbolo de riqueza e poder. Outras construções mais simples, azulejadas, bem e mal cuidadas, umas pintadas à cal, pelo desbotado, há muito tempo. Existem aquelas abandonadas, sem revestimento ou pintura, reboco caindo, já não se sabe quem são os donos, quem dirá os ocupantes. Os pequenos jardins e as flores, bonitas ou feias, ou simplesmente ridículas, nos contam muito sobre quem zela pela morada.
Percebo também os rostos: sorrisos, carrancas, cara de gente que parece ter conhecido a felicidade ou que nunca saberá o que ela significa e caras somente caras. Muitos idosos, bastante gente de meia idade e jovens e crianças, os quais prendem mais minha atenção.

Profissões quase incontáveis: motoristas, balconistas, jogador de basquete, barbeiro, bancários, comerciantes, industriários, fazendeiros e tantas outras. Às vezes se faz menção das ocupações em lugar de destaque nas construções. Vários aposentados, donas decasa e estudantes. Até desocupados e mendigos, que continuam com terra nos olhos. É possível ver também as tragédias, o destino ou o simples passar do tempo, da vida.

Os esquecidos morreram duas vezes. Foram deixados pelo medo da lembrança ou pelo pavor da descoberta. Muitos permanecem vivos eternamente, na memória, na história, nas caridades, nas obrase nos corações. Outros tantos, do lado de fora, mortos, andando e habitando por aí. Seja como for, meu passeio pela necrópolemostra mais a vida que a morte.

Sérgio Piva
s.piva@hotmail.com

Notícias relacionadas