sexta-feira, 20 de setembro de 2024
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A Cobra de Chife

Nos tempos da água escassa, pré-Poção e Sabesp, Fernandópolis tinha seus locais para fornecê-la, como cisternas, córregos, poços semi-artesianos etc. Nesse tempo, na cidade onde nasci, Alfenas, existiam três locais…

Nos tempos da água escassa, pré-Poção e Sabesp, Fernandópolis tinha seus locais para fornecê-la, como cisternas, córregos, poços semi-artesianos etc. Nesse tempo, na cidade onde nasci, Alfenas, existiam três locais importantes – a Fonte, a Pedreirinha e o Chafariz.

Tinham um ponto em comum: – o barulho da roupa sendo batida no “batedô”, e das alegres conversas das lavadeiras que, após a pesada labuta, subiam a trilha de volta carregando pesadas bacias, sobre uma “rodia” na cabeça.

No riacho Pedreirinha muitos de nós, moleques, alí começamos a nadar, não faltando, inclusive, o ritual de engolir pelo menos um peixinho vivo!

Na Fonte, eram nascentes, onde muita gente ia buscar água, fresca e pura.

O Chafariz era um córrego, com saídas para tanques de alvenaria.

Frequentávamos mais o Chafariz por duas razões: pra caçar passarinhos e “piriás”(preás) e, aos domingos, escalarmos as árvores maiores, para assistirmos, de graça, aos jogos do “glorioso” Alfenense Futebol Clube, cujos muros ficavam próximos.

Foi aí, no Chafariz, que se deu o fato histórico e histérico: – descíamos a “pirambeira” de acesso ao local, quando ouvimos gritos e, a seguir, subindo, passam por nós várias lavadeiras, ofegantes, gritando que tinham visto “uma cobra de chifres”! Atemorizadas, largaram até as roupas e bacias nos tanques; iam procurar ajuda – alguém para espantar ou matar o monstro!

‘Heroicamente’, meu amigo e eu(tínhamos cerca de 12 anos) nos oferecemos para a ‘perigosa’ missão… Na verdade, a imensa curiosidade superou nosso medo. Com frio no estômago, descemos até o local indicado e, a alguns metros, avistamos o “dragão chifrudo”! As pernas bambearam…era verdade! Além de ser grande e grossa, a cobra tinha chifres!

Passado o pavor, pé-por-pé, chegamos mais perto, e aí o mistério se revelou!!! – A cobra começara a engolir um sapo – um sapão, na verdade, e a metade do bicho estava para fora e com as pernas muito esticadas, tanto que, se vistas de relance ou à distância, eram chifres perfeitos!

Felizmente, não cumprimos nossa missão, pois o aterrador animal embrenhou-se pela vegetação… Tenho certeza que até hoje corre por lá o ‘causo’ da cobra de chifre.

Cobra, de acordo com o contexto, tem outros significados: o fulano é “uma cobra”(malvado, traiçoeiro etc.); o sicrano é “um cobra”(conhecedor, esperto, perito etc.). Sapo, também: “engolir sapo” – aceitar, sem reagir, a acusações ou situações injustas.

Às vezes engolimos “sapos” e, aí, nos ficam dúvidas: engolimos por sermos “uma cobra” ou por sermos “um cobra”? Ou será que somos um “sapão” difícil de engolir? Sapo ou cobra, o penoso mesmo é ficarmos “entalados” em nossa própria indecisão.

Só tenho uma certeza: – não dá pra perdoar e nem engolir um “sapão barbudo” que, “nunca antes na história deste País”, enganou a tantos, tanto tempo, como “uma cobra” sorrateira, sendo um tremendo “cobra” na arte do engodo.

Jesiel Bruzadelli Macedo
jesielbruzadelli@gmail.com

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