sexta-feira, 20 de setembro de 2024
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Chico “Camaradinha”, Bilia e os Americanos

A única barreira para se chegar à casa do Chico eram moitas de capim-elefante que existiam entre o fundo do quintal de meus avós e o seu barracão e canil,…

A única barreira para se chegar à casa do Chico eram moitas de capim-elefante que existiam entre o fundo do quintal de meus avós e o seu barracão e canil, que ficavam ao lado de sua centenária casa, feita de tijolões – com o dobro ou mais do que os atuais, assoalho de tábuas sobre barrotes; janelas e portas altas e com “tramelas”.

Chico “Camaradinha”, como era conhecido, e sua companheira a “Bilia” – Umbelina, tinham 2 filhos: – o Pardal (Eduardo), adolescente, como eu à época, e o Neném (?), com seus 7 ou 8 anos.

Que satisfação curtir as histórias que ele contava, vê-lo ferrar cavalos com maestria e acompanhar sua perícia no adestramento de cachorros americanos, famosos pelo instinto de caça a grandes animais, como onça, lobo, veado etc.

Outro grande prazer era o de ficar à beira do fogão de lenha da Bilia, nas noites e dias frios, ouvindo “causos” e aguardando a fritura de seus deliciosos biscoitos de polvilho azedo, misturados com um pouco de farinha de milho e uma dosezinha de pinga na massa que era, segundo ela, para “embexigar”, acompanhados do delicioso e cheiroso café torrado em casa, moído no “munho” e coado na hora.

Chico era o mais famoso treinador de cães da região. Recebia matilhas de muitas cidades, e como urravam! Paciencioso, Chico, todo final de semana, e quase sempre com o “Coronel” Luiz Pedro, fazendeiro tradicional da cidade, saíam a cavalo pelas capoeiras e capões de mato da região para “educar” o instinto da cachorrada, que iam na “trela”, espécie de coleira, presos aos pares, e só eram “desalgemados” no mato.

Acompanhei-os uma vez. Saímos cedo, levando farofa de frango pra matula, garrafinha de vidro com café e água no cantil. Chico levava a “Buzina”, espécie de berrante, só que menor e com palheta no bocal para dar o “toque” para reunir a cachorrada, que se alvoroçam todos ao ouvi-la. Na cintura ele portava, orgulhoso, sua garrucha de dois canos, belga, cabo de prata, que era para dar a “salva”, uma espécie de direcionamento e aviso para os cachorros quando um deles descobria a caça, pelo faro. Não matava e nem deixava que os cães o fizessem.

Tropeiros chegavam quase que semanalmente, arranchando no “Barracão”, onde tinha uns “trapiches” – camas grosseiras. Aí, à noite, a conversa ficava mais variada, divertida e, quase sempre, tenebrosa, pelas histórias de assombração, de “corpo seco” etc.

Sem dúvidas, a ocasião mais festiva se dava ao final de todo ano quando, religiosamente, Chico e Bilia, recebiam “Companhias ou Folias de Reis”, com suas vestimentas coloridas, espadas, instrumentos musicais, danças e cantorias em agradecimento aos “Santos Reis”, em especial no seu dia, 06/janeiro, quando eles multiplicavam oferendas e refeições às Folias.

Os anos se passaram… estudos, mudança, trabalho, família etc. nos afastaram por longo período deste mundo de simplicidade, deslumbramento e felicidade.

Em viagem de férias com a família, aproveitamos para procurá-los. Chico e Bilia haviam morrido; Neném se casara e tinha filhos; Pardal mudara-se para outra cidade.

Frente ao terreno, agora vazio da casa e do antigo “barração”, coração apertado, questionei-me e as respostas não deixaram de doer: -“onde estão a casa, o barracão, o curral e o canil?”; “e os tropeiros, as ferraduras e os causos”?; os “americanos”, as caçadas e a garrucha? ”

– O progresso(?) tomou-os desnecessários ou eliminou-os; – “Meu Deus, e os biscoitos fritos, regados a café de verdade”???

– A modernidade transformou-os em saborosas lembranças e felizes histórias, muitas histórias…

JESIEL BRUZADELLI MACEDO

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