sábado, 9 de novembro de 2024
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Realidades

A miséria está em todos os lugares. Toma conta de todas as pessoas. Miséria material, física, espiritual, emocional. Está nos recônditos das casas, dos lares, do corpo, da mente, do…

A miséria está em todos os lugares. Toma conta de todas as pessoas. Miséria material, física, espiritual, emocional. Está nos recônditos das casas, dos lares, do corpo, da mente, do coração, quase imperceptível. Está espalhada pelas ruas, causando incômodo: impotência, exploração, abuso, omissão, indiferença.

Nas avenidas iluminadas do shopping, perambulavam todos os tipos de pessoas. Na maioria, de roupas elegantes, auxiliadas pelo frio da capital paulistana. O requinte desfilava pelos largos corredores e interiores das lojas.

Na praça de alimentação, os jovens se aglomeravam defronte ao McDonald’s. Mesas cheias, pratos lotados, camisas verdes. Sorrisos distribuídos a esmo, dinheiro de outras cores enchendo os caixas.

Na rua um mar esverdeado. Fumaça com cheiro de carne, de queijo, de fartura. Garrafas, copos e brindes. Cigarro, erva e lanche de linguiça. Fardas, torcedor e polícia. Vias abarrotadas, lucro, alegria, gritos de guerra. Ao longe, um roncar.

Observadores por detrás dos vidros fechados, pessoas andando pelas ruas, lotando os pontos de ônibus ou esperando o semáforo abrir. Bolsas sob o braço, mochilas nas costas, bengalas, blusas de lã, caixas de papelão.

Em grande parte do caminho das avenidas de muitas pistas amontoavam-se cobertores surrados, travesseiros, panos, papelão, desespero, desilusão, vício, solidão, desalento e frio. Debaixo de tudo isso, seres humanos, quase gente. Os sacos de lixo aviam sido recolhidos.

Gente na rua, gente de rua, situação da gente, rua sem situação. Cito inércia, ação congelada. Estático, exotérmico, sem vida, como os corpos sob os viadutos, sobre as vias sem regras, sobre os dutos da metrópole, não fosse necrópole, no inverno, no inferno, no governo eterno.

Mar de zumbis, rio de vidas perdidas, rua das desilusões, mundo paralelo de classe desclassificada. Culpa de todos, responsabilidade de ninguém. Número subestimado de estatísticas diversas. Assunto de prosa desproseada. Poema sem verso, sem frente, sem nada dentro.

Cracolândia: Disneylândia do horror dispersado, pessoas espalhadas pelos redutos, pelos dutos, pelos putos. O lixo juntado nas esquinas, acondicionados nos caminhões, carregado para suas casas-aterro.

Gol. Dois milhões e quatrocentos mil. Renda, talvez prenda, emenda. Cento e trinta e sete mil. Oferenda, senda, Moenda. Viva o entretenimento, abaixo o arrependimento. Salve o merecimento. Ave, deixe de chateamento.

Em um único destino, muitas viagens. Em muitas pessoas, uma única visagem. Quanto mais eu ando, mais pareço estar no mesmo lugar, de tamanhos, cores e proporções diferentes. Idêntico, apenas a gente.

As diferenças podem ser justificadas: destino, carma, pecado original, semeadura e colheita, causa e efeito. Simplesmente, não há como serem desculpadas. O melhor seria não buscar a culpa, tão somente, a redenção. A minha, sua, de quem não for inércia, mas for ação.

Sérgio Piva

s.piva@hotmail.com

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