segunda-feira, 23 de setembro de 2024
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​Mãe perde guarda após filha participar de ritual de candomblé

A manicure Kate Ana Belintani, de Araçatuba, perdeu a guarda da filha de 12 anos depois que a adolescente passou por um ritual de iniciação no candomblé. A ação foi…

A manicure Kate Ana Belintani, de Araçatuba, perdeu a guarda da filha de 12 anos depois que a adolescente passou por um ritual de iniciação no candomblé. A ação foi movida pelo Conselho Tutelar de Araçatuba, que afirmou ter recebido denúncias de maus-tratos e abuso sexual.

Uma das denúncias foi feita anonimamente, mas, segundo Kate, partiu de familiares que não aceitavam a religião dela e da neta.

O caso aconteceu no dia 23 de julho. Após as denúncias, policiais militares e conselheiros tutelares foram até o terreiro e ouviram da menina que ela não estava sofrendo qualquer tipo de abuso, mas sim participando de um ritual, que inclui a raspagem do cabelo de novos adeptos.

Mesmo assim, a criança e a mãe foram levadas para a delegacia e só foram liberadas após exame de corpo de delito ser feito no IML (Instituto Médico Legal) da cidade. Nenhum tipo de hematoma ou sinais de agressão foram constatados.

“Eu estava dormindo quando ouvi uma batida forte na porta. Eu abri e vi um fuzil na minha cara. Eles entraram no casa e mandaram eu buscar a menina. Ela ficou tão nervosa que o santo dela se manifestou. Os policiais não entenderam e pediram para eu colocar de volta no quarto. Depois quiseram abrir a geladeira e eu disse que só tinha coisa para comer. Aí depois eles ficaram conversando um tempo e só veio uma policial feminina pra conversar com a menina. Dali foi todo mundo pra delegacia”, conta a iabassê Maria José de Souza, de 58 anos.

O caso também foi levado à Promotoria e, desta vez, eles alegaram que houve lesão corporal, já que a criança teve o cabelo raspado no ritual. Por isso, cerca de 10 dias depois, a guarda da criança foi transferida para a avó materna.

Desde então, o contato da manicure com a filha só acontece pelo celular. Kate é frequentadora do candomblé há cerca de 10 anos e afirma que simplesmente tiraram a filha dos braços dela.

“Eu frequento o Candomblé desde que minha filha tinha dois anos. Eu não sou iniciada. A minha filha manifestou o desejo de participar do batismo desde cedo mas eu achava que ela era muito nova na época pedi pra ela esperar. Quando ela fez 12 anos ela quis ser indicada. Mas eu jamais iria pensar que eu perderia a minha filha por conta da perseguição religiosa”, afirma.

“Não entendo o motivo de Conselho Tutelar estar me perseguindo. O contato foi feito todas as vezes por telefone e durante as ligações o conselheiro tinha um tom ríspido ele literalmente mandava eu entregar minha filha. Eu já estava cansada de receber 10, 20 ligações do Conselho. Nunca vieram no portão ouvir o que eu tinha a dizer. Se quer fui chamada para me defender. Sem mais nem menos e num tempo relâmpago tiraram minha filha. Agora eu só consigo falar com ela por telefone. Não é a mesma coisa, quero minha filha de volta. Eu amo minha menina”, afirma.

A reportagem do sbtinterior.com entrou em contato com o Conselho Tutelar e questionou no que se ampara a decisão de retirar a guarda da filha da mãe, porém, foi informada de que o Conselho não vai se manifestar porque o processo segue em segredo de Justiça.

A advogada da avó da adolescente também disse que não vai se pronunciar sobre o caso.

Para o babalorixá Rogério Martins Guerra, responsável pelo terreiro araçatubense desde 2010, o que aconteceu foi intolerância religiosa.

“Em dez anos eu nunca vi tamanha intolerância. O candomblé é uma religião brasileira onde cultuamos nossos ancestrais, nossos orixás. É uma prática diferente de outras religiões, mas praticamos o que todas praticam: paz, amor, compreensão. Eu vejo com muita tristeza isso que aconteceu. Nossa casa foi invadida, nosso chão consideramos sagrado. Isso é uma afronta. É uma perseguição religiosa”.

O promotor responsável pelo caso, Joel Furlan, se manifestou por meio de nota oficial:

“A Constituição Federal assegura como direito fundamental a todas as pessoas, o direito à liberdade religiosa e livre exercício dos cultos. Da mesma forma, o Estatuto da Criança e do Adolescente assegura esse mesmo direito, que é da criança e do adolescente e não dos pais. Tanto a Constituição Federal como o Estatuto da Criança e do Adolescente, também garantem proteção integral, preservando-as de qualquer violação de direitos. Portanto, o papel do Ministério Público é garantir e sopesar esses direitos, quando surgir conflitos. Não se pode permitir que, sob o pretexto de liberdade religiosa, se pratique crimes. Cabe a todos os atores envolvidos muito cuidado na análise e verificação dessas notícias, fazendo com que esses direitos sejam preservados e com liberdade no seu exercício, sempre buscando o superior interesse da criança e do adolescente”.

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