terça-feira, 24 de setembro de 2024
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Mulheres são impedidas de voltar a treinar por excesso de peso

Duas usuárias da academia do Sesc Guarulhos, na Grande São Paulo, acusam a unidade de cometer gordofobia ao impedi-las de voltarem a realizar atividades físicas com base no cálculo dos…

Duas usuárias da academia do Sesc Guarulhos, na Grande São Paulo, acusam a unidade de cometer gordofobia ao impedi-las de voltarem a realizar atividades físicas com base no cálculo dos seus IMCs (Índice de Massa Corporal). Elas afirmam que foram constrangidas na frente de outros usuários.

Para o G1, o professor Danilo Miranda, diretor do Departamento Regional do Sesc São Paulo, disse que a medida faz parte do protocolo de segurança recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde, que diz que portadores de obesidade são considerados parte do grupo de risco do novo coronavírus, e que com a medida o Sesc visa proteger as usuárias. (leia mais a seguir).

Uma das supostas vítimas é Iva Paula Roberta, contadora. Ao G1, Iva disse que frequentava a academia do Sesc Guarulhos antes da pandemia do novo coronavírus e que com o retomada das atividades da instituição no final de agosto, assim como outros usuários, ela recebeu uma notificação para agendar o retorno à academia.

Iva conta que não passou por nenhuma avaliação médica, no entanto, assinou um termo em que declarava não ter nenhum problema de saúde. Ao chegar na academia, no dia 2 de setembro, foi solicitado que ela informasse seu peso e altura para o cálculo do IMC. Após o resultado ter sido a cima de 30 Kg/m,² o que equivale a obesidade grau I, a contadora foi impedida de voltar a treinar e recebeu a recomendação de continuar os exercícios em casa. Segundo Iva, os funcionários alegaram que a medida estava sendo tomada devido ao grupo de risco do novo coronavírus.

Uma das razões que fez Iva acreditar que sofreu gordofobia foi o fato de que o marido dela, que frequenta a mesma academia, mas em outro horário, ter dito que não viu os funcionários solicitarem o peso e a altura de outras pessoas.

A contadora chegou abrir um chamado no “Reclame Conosco” do Sesc e na Ouvidoria do Estado de São Paulo. A Secretaria de Justiça e Cidadania disse ao G1 que “a denúncia foi recebida pelo Sistema de Ouvidorias e a Secretaria irá apurar os fatos à luz da legislação de combate a condutas discriminatórias” e que “o Sesc será notificado para explicar as razões da decisão tomada”, bem como “orientar a denunciante sobre quais procedimentos tomar”.

Além de Iva, a assistente comercial Tuany Marques afirma ter passado pela mesma situação. O IMC dela também resultou em obesidade grau I. Mas, diferente de Iva, Tuany não quis abrir nenhuma denúncia porque diz que se sentiu muito constrangida.

“Foi bem constrangedor pela forma que ela [a funcionária] falou, na frente de várias pessoas”, declarou ao G1. “Eu fiquei bem chateada porque quando me chamaram pra fazer a liberação da documentação tem as perguntas de saúde, nada de peso. Não deviam chegar no meio da academia, na frente de várias pessoas e falar ah, você não pode participar porque seu IMC tá acima de 30 “.

O IMC é um cálculo em que o peso da pessoa é dividido pela sua altura ao quadrado, permitindo identificar se ela está com o seu peso ideal.

O diretor da instituição disse ao G1 que lamenta que as usuárias tenham se sentido constrangidas de alguma maneira, mas ressaltou que o Sesc não praticou nenhuma discriminação por parte do peso e que apenas segue o protocolo de segurança em que pessoas com o IMC a cima de 30 km/m², com obesidade grau I, fazem parte do grupo de risco do novo coronavírus.

“A última coisa que se possa pensar em relação a isso é que no Sesc possa haver algum preconceito contra gordos, primeiro porque isso é contra qualquer principio fundamental que rege o Sesc”, afirmou Miranda. “Em segundo lugar trata-se de uma medida sanitária obrigatória que nós vamos seguir a risca com todos os grupos de risco”.

Miranda também explicou que ao agendar as aulas, as usuárias concordaram com um termo on-line que indica a possibilidade de impedimento na realização das atividades presenciais no caso de fazerem parte de algum dos grupos de risco do novo coronavírus, incluindo a obesidade.

De acordo com o diretor, os funcionários são orientados a chamarem os usuários em particular para informar caso não possam realizar as atividades no local, para evitar qualquer tipo de constrangimento.

Obesidade como grupo de risco do novo coronavírus
A obesidade é um dos fatores para a inclusão no grupo de risco do novo coronavírus. De acordo com o endocrinologista Gustavo Fagundes, da Universidade de São Paulo, diversas pesquisas apontaram que pacientes com obesidade que desenvolveram a COVID-19 têm mais chance de precisarem de oxigenoterapia para manter alta a taxa de oxigenação no sangue, de serem internados na UTI e de morrerem.

“A gente sabe por outros quadros infecciosos, seja virais ou bacterianos, que o indivíduo com obesidade tem maior risco em infecções pulmonares”, explica o Dr. Gustavo, “O indivíduo com obesidade está com um estado inflamatório crônico e infecções, como a da Covid, desencadeiam neste corpo um excesso de resposta imunológica. Quando a nossa defesa é excessiva isso é prejudicial, então, o indivíduo tem maior capacidade de desenvolver uma tempestade inflamatória que está relacionada com a Covid”.

Além disso, o endocrinologista relata que algumas pesquisas apontam que o vírus da Covid-19 pode usar o tecido adiposo como um recipiente para sua reprodução, pois o receptor do vírus estaria presente nele. Este tecido é caracterizado pelas células adiposas, que justamente armazenam gordura.

Os protocolos de segurança desenvolvidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pela Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, bem como o Ministério da Saúde determinam que pacientes com obesidade fazem parte do grupo de risco do novo coronavírus.

São considerados portadores de obesidade pessoas com o IMC a cima de 30 kg/m², com grau I; acima de 35 kg/m² é considerado obesidade grau II; e acima de 40kg/m², obesidade grau III. Segundo Fagundes, muitos estudos apontam que pacientes deste último grupo têm maior risco de desenvolver a doença gravemente, mas já há outras pesquisas que demonstram riscos associados aos graus de obesidade mais leves.

Apesar da ser uma ferramenta prática, o médico explica que existem ressalvas para o uso do IMC na medição da obesidade: “Existem pessoas que nem tem obesidade, mas tem aquele padrão de gordura na região abdominal, que tem mais risco pra desenvolver complicações, mas eventualmente não vai ter a classificação do IMC, mas outras pessoas podem ter a distribuição dessa gordura maior e o risco de complicações metabólicas menor”.

Devido as limitações do IMC, existem atualmente outros meios que podem ajudar a identificar se uma pessoa está com obesidade, como por exemplo, o exame de bioimpedância, no qual não apenas o peso e altura é considerado, como também a composição corporal, ou seja, a quantidade de músculos, água e gordura no corpo.

O endocrinologista afirma que as chances de uma pessoa portadora de obesidade, sem outras comorbidades, desenvolver a Covid-19 gravemente é menor do que o risco de pessoas que tenham doenças crônicas ou idosos, por exemplo.

De acordo com ele, a obesidade é uma doença, portanto exige cuidados e acompanhamento de profissionais e que é fundamental, assim como para outras pessoas, manter todos os cuidados durante a pandemia do novo coronavírus: o distanciamento social, o uso de máscara e a higienização das mãos.

Gordofobia é crime?
A advogada, cofundadora do projeto Gorda na Lei e Membro da Comissão de Direitos Sociais da OAB/ES, Mariana Vieira de Oliveira, explicou ao G1 que gordofobia é “uma forma de discriminação de corpos baseados no peso e no fato dele estar acima do padrão”. Ainda assim, a gordofobia não é criminalizada, mas o ato gordofóbico pode se enquadrar em alguns crimes, como o contra honra – em caso de ofensa – ou danos morais – quando a vítima é privada de algum direito.

De acordo com Mariana, a vítima de gordofobia pode buscar um advogado ou defensor público e dar entrada com uma queixa crime e para tal é necessário reunir provas do constrangimento de acordo com cada caso, como por exemplo, um laudo médico que comprove que a pessoa não possui nenhuma comorbidade.

Segundo Mariana, os crimes contra a honra geralmente tem penas pequenas, como medidas restritivas ou serviços comunitários, variando entre três meses e um ano. Caso a vítima opte por entrar com um processo de danos morais, ela pode receber uma indenização do agressor.

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