Nos últimos dois meses, 51% dos brasileiros das classes D e E, com renda per capita de até R$ 500, perderam metade ou mais de suas rendas, em um contingente de 58 milhões de pessoas.
Entre elas, 24% declararam ter ficado sem renda nenhuma durante a pandemia, realidade que já afetaria mais de 13 milhões de brasileiros que integram a base da pirâmide socioeconômica país.
Os dados são de pesquisa realizada entre 20 e 21 de abril pela Plano CDE, consultoria especializada em projetos sociais e políticas públicas.
O estudo ouviu mil pessoas de todas as classes sociais e regiões para mensurar os impactos econômicos do isolamento social, medida de prevenção ao novo coronavírus.”A crise acentua as desigualdades de classe e também regionais. Pega mais as classes C, D e E, que têm mais gente com renda variável, e afeta muito mais o Norte e o Nordeste”, afirma Maurício Prado, diretor-executivo da Plano CDE.
Segundo o administrador e mestre em antropologia pela College London, a desigualdade também se evidencia em perdas mais significativas nas classes D e E, que correspondem a 28% da população brasileira. “É onde se registra a maior informalidade.”
Entre os 100 milhões de brasileiros que se enquadram na classe C, com renda per capita entre R$ 500 e R$ 2.000, 10% dos entrevistados disseram ter ficado sem rendimentos e 29% relataram redução de metade ou mais nos ganhos.
É o caso da diarista de aplicativo Andriela da Silva, 30. Com o isolamento, ela foi obrigada a parar de trabalhar, levando a renda familiar a uma queda de quase 70%. A família de quatro pessoas está sobrevivendo à pandemia com o salário do marido de Andriela, “mil e pouco reais”, mais o auxílio emergencial de R$ 600 oferecido pelo governo.
“Se eu não trabalho, eu não ganho”, afirma a diarista. “Então fica deste jeito: sem receber nada, gastando o pouco que eu já tinha. Não sei o que vai ser da gente daqui a uns meses, só Deus na causa.”
Já nas classes A e B não houve alteração na renda para um terço dos entrevistados. Outros 30% dos brasileiros que ganham acima de R$ 2.000 per capita declararam que seus rendimentos caíram menos da metade. “Nas classes A e B, além de as rendas serem muito melhores, elas são mais seguras”, avalia Prado.
Para 3% dos brasileiros das classes mais abastadas a pandemia representou aumento de ganhos. “E tem esse percentual que faz dinheiro com a crise”, diz o antropólogo.
Com margem de erro de 3,1 pontos percentuais e índice de 95% de confiança, o levantamento revela ainda a baixa capacidade de poupança no país, razão pela qual a maior parte da população, de todas as classes sociais, atrasou alguma conta ou contraiu dívidas.
Mais de 70% das famílias de baixa renda não dispõem de reserva para um mês de crise. Enquanto nas classes A e B 20% informaram ter poupança suficiente para enfrentar mais de quatro meses sem receber.A maior parte dos brasileiros atrasou o pagamento de alguma conta entre março e abril, segundo a pesquisa.
Ao questionar a situação de dívidas em relação a fevereiro, último mês antes de medidas de isolamento social imposto pela Covid-19, 47% dos integrantes das classes D e E disseram ter se endividado, 43% deixaram de pagar água ou luz e 22% atrasaram o aluguel.
Andriela não pagou as mensalidades do curso de inglês da filha nos últimos dois meses. Além disso, tem uma fatura de cartão em aberto no nome de uma tia, a quem planeja reembolsar depois.
Chamam a atenção na classe C os 23% que deixaram de pagar a fatura do cartão de crédito. “É preocupante por ser uma parcela vulnerável que está se endividando e com crédito caro”, afirma Prado.
Já 42% das classes A e B afirmaram não ter atrasado nenhum pagamento nem ter necessitado de dinheiro emprestado no período.
A grande maioria das famílias mais necessitadas não havia recebido nenhuma ajuda financeira até meados de abril, aponta a pesquisa.
Público-alvo da ajuda emergencial de R$ 600 que começa a ser paga pelo governo, 52% dos brasileiros das classes D e E disseram não ter recebido nenhum tipo de apoio até o momento da pesquisa.
A exceção são os beneficiários do Bolsa Família. Graças aos R$ 1.200 que recebe do programa por ser mãe de dois, Greyce Delgado, 33, afirma estar “tranquila por enquanto”. Ainda que seu salário tenha sido reduzido à metade –passou a receber R$ 700–, a empregada doméstica conta com a bolsa-merenda de R$ 55 por filho, cesta básica e pensão do ex-marido, que continua trabalhando.
“O Bolsa Família ajuda bastante. Os gastos aumentaram, porque as crianças estão ficando mais tempo em casa, mas eu estou estável por enquanto”, afirma Greyce.
Enquanto aguardavam a primeira parcela do auxílio governamental, 30% das famílias de baixa renda relatam algum apoio de familiares, 10%, de vizinhos, 8%, de líder comunitário, 6%, de igrejas, e 4%, de ONGs.
Segundo o diretor da Plano CDE, mesmo com o recorde histórico de doações e toda a mobilização do terceiro setor, o apoio da filantropia ainda é insuficiente.
“Essas famílias normalmente contam com amigos, vizinhos, familiares e igreja como uma forma de seguro para emergências. Só que agora estão todos juntos na crise. Em uma situação de pandemia, eles não têm outro ativo que não seja doação de dinheiro ou cestas básicas”, afirma.
A situação também é dramática entre famílias de classe C, que estão fora dos critérios de programas sociais, como o Bolsa Família.
“Elas estão mais descobertas que as classes D e E. Não estão cadastradas pelo governo e, se tentarem agora, não serão aprovadas para a ajuda emergencial, pois estão numa faixa de renda acima do critério estabelecido”, afirma o diretor da Plano CDE.