O Brasil atingiu o maior patamar, desde 2012, de crianças de 6 e 7 anos que não sabem ler e escrever. No ano passado, chegou a 40,8% a fatia da população dessa faixa etária que não havia sido alfabetizada, o equivalente a 2,4 milhões.
Os dados são de um estudo divulgado nesta terça-feira (8) pelo Todos pela Educação, com base na Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE. Na pesquisa, os responsáveis pelos domicílios responderam se suas crianças sabiam ler e escrever.
Por lei, as crianças deveriam ter assegurado o direito de aprender a ler e a escrever até o fim do 2º ano do ensino fundamental, ou seja, aos 7 anos. O país, no entanto, atingiu o recorde dos últimos dez anos de crianças sem acesso a esse direito. Em 2012, 28,2% da população dessa idade não estava alfabetizada, cerca de 1,7 milhão.
O aumento de crianças de 6 a 7 anos nessa situação ocorreu durante a pandemia de Covid-19. Em 2019, 1,4 milhão não tinha sido alfabetizada (25,1% da população dessa faixa etária).
O impacto é ainda maior entre as crianças mais pobres, pretas e pardas. Além de terem tido menos oportunidade de continuar estudando a distância, foram esses alunos que ficaram mais tempo com as escolas fechadas no país.
“Os dados reforçam o que outras pesquisas já apontaram, a pandemia teve impactos brutais no aprendizado das crianças e reforçou as imensas desigualdades que já existiam no país. É urgente colocar em prática políticas que tenham como prioridade o ensino das crianças mais pobres, pretas e pardas”, diz Gabriel Corrêa, gerente de políticas educacionais do Todos pela Educação.
Entre as crianças que moram nos 25% de domicílios mais pobres do país, 51% não sabem ler e escrever. Já entre as que moram nos 25% mais ricos, 16,6% ainda não tinham aprendido.
As crianças pretas e pardas, que já tinham o direito menos assegurado em anos anteriores, foram ainda mais impactadas. A diferença entre o percentual de crianças brancas e pretas que não sabiam ler e escrever subiu de 8,5 pontos percentuais para 12,3 entre 2019 e 2021.
Em 2019, 20,3% das crianças brancas não sabiam ler e escrever. O percentual subiu para 35,1%, em 2021. No mesmo período, entre as crianças pretas, a proporção cresceu de 28,8% para 47,4%. Entre as pardas, subiu de 28,2% para 44,5%.
“As crianças negras e as mais pobres tiveram menos oportunidade de continuar estudando durante a pandemia, principalmente por terem tido menos acesso ao ensino remoto. Por isso, precisamos de ações que sejam pensadas para quem foi mais prejudicado. Infelizmente, não é o que estamos vendo”, diz Corrêa.
Desde o início da pandemia, o Ministério da Educação, que tem uma secretaria exclusiva para a alfabetização, não desenvolveu nenhum programa ou destinou recursos extras às escolas para evitar prejuízos nessa fase de aprendizado. Questionada, a pasta não respondeu sobre suas ações.
Segundo Corrêa, com a ausência do governo federal, é importante que os estados apoiem técnica e financeiramente os municípios para garantir a qualidade da educação nos primeiros anos escolares. “As escolas municipais são responsáveis pela maioria das matrículas nos anos iniciais do fundamental, mas não podemos achar que o desafio é só ter as crianças dentro da sala de aula, precisamos garantir educação de qualidade. E os estados precisam ajudar.”
Na cidade mais rica do país, nem mesmo a matrícula de todas as crianças dessa idade foi garantida no início deste ano letivo. Em São Paulo, até 14 mil alunos que estão ingressando no 1º ano do ensino fundamental não tiveram vaga assegurada pelo governo estadual nem pela prefeitura.
“É o reflexo da falta de planejamento e cooperação entre o governo e a prefeitura. Essa situação dá um indicativo do tamanho do desafio que estados e municípios mais pobres podem ter pela frente se não tiverem organização e apoio. Garantir escola é só o primeiro passo, nós precisamos de escola de qualidade”, diz Corrêa.