Desde agosto, quando a rede estadual de São Paulo retomou as aulas presenciais, a quantidade de estudantes que não fizeram nenhuma atividade escolar caiu 32%. No entanto, mais de 182 mil deles não tiveram a presença registrada em nenhum dia letivo do terceiro bimestre, entre 2 de agosto e 8 de outubro, mesmo com as escolas reabertas.
Os dados são de um levantamento exclusivo obtido pela produção da TV Globo com a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) do governo de São Paulo.
O balanço se refere à quantidade de estudantes que não tiveram a frequência computada no diário de classe, o documento pelo qual os professores de todas as escolas estaduais registram diariamente a presença dos alunos. As informações do quarto e último bimestre serão consolidadas apenas em dezembro.
Segundo Bruna Waitman, coordenadora do Centro de Mídias do Estado da Educação de São Paulo, para combater o risco de evasão dos estadual durante, o governo estadual criou auxílios estudantis, inclusive financeiros. “Desde o Bolsa do Povo Educação, que paga bolsas de R$ 1 mil reais para os estudantes por ano letivo retornarem”, afirmou ela, destacando que o programa é voltado aos estudantes em situação de pobreza e de extrema pobreza.
“A gente sabe que a questão do mundo do trabalho é um elemento que impacta, mas a gente está trabalhando para garantir que eles voltem também. E que voltem para uma escola que tenha significado para eles.”
‘Tive que fazer uma escolha’
O jovem Pedro Henrique Santos, de 18 anos, deveria ter voltado à sala de aula em agosto, mas acabou abandonando o ensino médio seis meses antes de se formar. “Eu tive que fazer uma escolha: ou largar a minha escola pra começar a trabalhar ou ir pra escola e passar necessidade”, afirmou ele à TV Globo, na lanchonete em que trabalha em Moema, bairro nobre da Zona Sul de São Paulo.
Ele não recebeu auxílio financeiro do governo e mora com a família no Jardim São Luís, na periferia da Zona Sul. A mãe, Fabiana, é designer de sobrancelhas sonha com a volta dele para a escola. Mas, depois de ter que fechar o salão de beleza e manter os três filhos fazendo bicos, diz que, por enquanto, a ajuda do jovem é indispensável.
“Eu sou sozinha, o pai deles é falecido”, explicou ela. “A gente sente pelo adolescente, que não vai poder mais continuar o estudo. Mas, financeiramente falando, é o único sustento que está entrando.”
Risco de evasão aumenta com a idade
No caso de Pedro Henrique, o abandono escolar foi uma necessidade. Mas, segundo Cezar Miola, conselheiro do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul e presidente do Comitê Técnico da Educação do Instituto Rui Barbosa (CTE-IRB), outras questões também pesam no vínculo entre adolescentes e a escola.
“Essas crianças, já então adolescentes, muitas vezes são levadas ao mercado de trabalho por conta de necessidades familiares. Ou porque, no caso do ensino médio, muitas vezes se fala na sua falta de atratividade. E, também, em algumas situações, a própria gravidez precoce, impactando em certas situações pra que haja situações de abandono e de evasão”, afirma Cezar Miola, conselheiro do TCE-RS.
O balanço do governo estadual indica que, embora a volta às aulas presenciais tenha reduzido a quantidade de estudantes em risco de evasão no terceiro bimestre, essa redução foi desigual, e mais eficiente entre as crianças do que entre os adolescentes e adultos matriculados.
Considerando os anos iniciais do ensino fundamental (do 1º ao 5º ano), o terceiro bimestre teve 60% menos alunos ausentes das aulas do que o segundo bimestre, uma queda de 13.968 para 5.580 crianças.
Nos anos finais do fundamental (6º ao 9º ano), a queda foi de 45%, de 87.253 alunos para 47.675.
Já entre o 1º e o 3º ano do ensino médio, o segundo bimestre registrou 136.119 estudantes ausentes. No terceiro bimestre, esse volume caiu 22%, para 106.742.
No Ensino de Jovens e Adultos (EJA), a queda de estudantes fora das aulas, em números absolutos, foi mais alta que a do ensino médio regular, de 26%.
EJA é a modalidade mais impactada
No entanto, considerando as estatísticas preliminares do total de matrículas em cada etapa de ensino, proporcionalmente a taxa de alunos em risco de evasão nas séries do fundamental 2 e ensino médio do EJA é a mais alta da rede: os 22.886 estudantes que mesmo com a reabertura das escolas não retomaram a frequência às aulas representam 15,8% do total de matriculados.
Além disso, o EJA é a única modalidade em que a taxa do terceiro bimestre ainda ficou acima da registrada no primeiro bimestre, entre 8 de fevereiro e 30 de abril, que foi de 15%.
Para o ensino médio, a taxa caiu para 8,1% entre agosto e outubro, mas ela chegou a ficar em 10,3% durante todo o primeiro semestre de 2021.
Os dados mostram que São Paulo teve índice ligeiramente mais alto que a média das redes estaduais do Sudeste, Sul e Centro-Oeste ouvidas pela pesquisa “Permanência Escolar na Pandemia”, divulgada nesta quinta-feira (25), em uma parceria entre os tribunais de conta, o CTE-IRB e o centro de pesquisas Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede).
Durante quatro meses, 88 auditores de 29 tribunais de contas pelo país aplicaram questionários com mais de mil redes municipais e estaduais de ensino.
A amostra, escolhida por sorteio para ser estatisticamente representativa do Brasil, indica que a taxa média de estudantes sem qualquer participação escolar em abril deste ano foi de 9,9%.
Na tarde desta quinta-feira, perto do cemitério Jardim São Luís, o professor de história Severino Honorato tentava reverter a situação atual. Ele mandou confeccionar e pendurou pelas ruas do bairro um chamado às matrículas do EJA para 2022.
“Nós somos uma escola, aqui na Zona Sul, que tem 15 salas. E esse nós perdemos, não conseguimos formar… Tem duas salas a menos de EJA porque a procura diminuiu bastante em função das dificuldades da pandemia.”
O Pedro Henrique espera que o ano que vem traga condições melhores para que ele volte à sala de aula, consiga o diploma do ensino médio e continuar com seus planos. “Terminar a escola, se Deus quiser, ano que vem, conseguir fazer uma faculdade e encaixar no meu horário de serviço. E não parar de estudar.”